04 janeiro 2015

Anpu e Bata



INTRODUÇÃO DA HISTÓRIA DE ANPU E BATA1 por Idries Shah


O conto de Anpu e Bata, encontrado em um antigo papiro egípcio, tem mais de três mil anos e é considerada a mais antiga história que chegou até nós na forma escrita. Talvez, mesmo naquele tempo, ela já pertencesse a uma tradição antiga. Uma das coisas mais interessantes nessa história é que elementos encontrados em contos de todo o mundo estão contidos nela. A primeira parte tem um paralelo com a história bíblica de José e a esposa de Potifar. O núcleo da história – símbolo-vida indicando morte e a ‘alma-separável’ – aparece em mais de oitocentas versões somente na Europa, e é improvável que os contadores saibam que são parte de uma linha de transmissão que começou na Décima Nona Dinastia do Egito Faraônico.

A história algumas vezes se confunde em parte ou em sua totalidade com o mito de Perseu e Andrômeda, associada às proezas de um matador de dragões, a qual é encontrada em quase todos os países do mundo.
O antigo papiro corroído pelo tempo, hoje no Museu Britânico, contém uma mensagem do escriba original, uma ameaça a quem possa ser descomedido com ele, similar aquelas encontradas em manuscritos Orientais mesmo nos dias atuais:

“Excelentemente terminado em paz para o Ka do escriba da Tesouraria de Kagabu, da Tesouraria do Faraó. E para o Escriba Hora e o Escriba Meramapt. Escrito pelo Escriba Anena, proprietário desse manuscrito. Que Tahui possa castigar aquele que difamar esse manuscrito!”

Era costume dos reis do Oriente, quando satisfeitos com uma história que lhe fora contada, ordenar que fosse escrita e guardada junto ao tesouro.


1 História traduzida do Livro “WORLD TALES – The extraordinary coincidence of stories told in all time, in all places” Collected by Idries Shah.
2 Enviada por Elisete Ternes Pereira


 Anpu e Bata



Era uma vez dois irmãos que viviam no Egito, eles amavam muito um ao outro. O irmão mais velho tinha uma jovem e bela esposa e um bom par de bois para arar os campos. Seu nome era Anpu e o nome do irmão mais novo era Bata. Esse jovem tudo fazia por seu irmão mais velho, seguia-o e aos bois para o campo, esperava por ele como um servo, colhia o milho, cuidava dos animais. Ele trabalhava para o irmão dia e noite, pois a seus olhos, não havia outro como ele em toda a terra do Egito.

Um dia, quando o tempo da semeadura começava, o irmão mais velho disse a Bata, “Traga as sementes para o campo amanhã bem cedo, pois temos que começar a plantar; as cheias do Nilo já recuaram da terra e o dia é propício.” Anpu já havia partido para o campo e Bata devia levar as sementes. Então, Bata foi até a porta da casa de seu irmão e disse a sua bela e jovem cunhada,
“Alcance-me o milho do barril, pois meu irmão e eu precisarmos dele hoje.” A mulher respondeu, “Entre e pegue-o você mesmo, pois estou ocupada fazendo meu cabelo e não posso largar os grampos e fitas para pegar o milho.” Então ele entrou e pegou tanto milho quanto podia carregar, pois queria plantar aproveitando bem o dia, que era propício.

Vendo Bata carregando tal carga, a mulher de seu irmão lhe disse, “Você é forte e bonito, realmente. Eu não tinha notado antes quão atraente você é. Fique comigo um pouco antes de ir para os campos, pois vocês passarão todo o dia fora e eu me sentirei sozinha. Dê-me algo para recordar quando eu estiver só.”

Bata recuou ao ouvir as palavras da mulher e sua face escureceu de raiva. Ele disse, “Você é como uma mãe para mim; você não é a esposa de meu respeitável irmão? Vou esquecer o que você me disse. Esqueça isso você também.” Ele partiu para os campos tentando apagar da mente as sugestões dela, pois ela era a mulher de seu irmão, a qual, embora bela, parecia-lhe agora maldosa aos seus olhos.

Trabalharam nos campos o dia inteiro e retornaram à casa ao entardecer. Esperavam encontrar a comida pronta, como de costume, mas na casa não havia fogo, ou luz, nem cheiro de comida. Bata foi para o estábulo cuidar dos animais e Anpu foi para casa ver o que estava errado com sua esposa. Ela estava na cama, encolhida sob a coberta chorando como se sentisse dor.

“O que há com você?” ele perguntou, “Alguém esteve aqui na minha ausência para perturbar você dessa forma?”

“O único que veio aqui em sua ausência foi seu desgraçado irmão!” ela gritou, “Pergunte a ele o que há de errado comigo!”

“Mas, o que você está dizendo? Ele pôs as mãos em você?” gritou o marido enraivecido.

“Sim,” disse ela, “Eu estava fazendo meu cabelo quando ele entrou para buscar as sementes e disse ‘Fique um pouco comigo antes que eu vá para o campo e meu irmão jamais saberá’ e ele me violentou. Oh, meu marido, não posso olhar para você tamanha a vergonha que sinto!” Então, Anpu afiou sua faca e se colocou em frente ao estábulo, pronto para matar seu irmão tão logo ele viesse juntar-se a eles para jantar.

Totalmente desinformado, o irmão mais novo continuava a fazer suas tarefasno estábulo, quando sua vaca favorita lhe falou:
“Cuidado, Bata, seu irmão afiou a faca e te espera atrás da porta para matá-lo. Corra, não volte à casa ou você morrerá.”
O jovem moço espiou para fora do estábulo e viu seu irmão estranhamente parado, com uma faca na mão. Temendo não ser capaz de explicar a verdadeira situação a seu irmão, fez um buraco na parede de barro do celeiro e fugiu tão rápido quanto seus pés o podiam carregar. Mas o irmão mais velho o ouviu correr e foi atrás dele. A luz do assassino estava em seus olhos.

Então, tomado pelo medo, Bata gritou aos céus: “Ó Grande Ra Harakiti, Senhor Poderoso, Sois aquele que divide o Mal do Bem! Salve me!” e Ra atendeu à sua prece.

Um rio poderoso surgiu entre os irmãos, um rio que Anpu não poderia atravessar mesmo que tivesse um barco, pois estava coalhado de crocodilos. O irmão mais velho estava furioso por não poder alcançar Bata e matá-lo, e o amaldiçoou da outra margem.

Mas Bata lhe falou em alta voz dizendo: “Ó, meu irmão, não me julgues mal. Não posso provar que não cometi erro algum, mas minha vaca me alertou e fugi de você com medo. Por que você decidiu matar-me antes de perguntar se fiz a maldade que você julga que fiz?”

Seu irmão respondeu: “Diga-me, então, você mesmo o que de fato ocorreu?” Bata respondeu, “Fui ao barril pegar as sementes eu mesmo, pois sua esposa estava fazendo o cabelo e disse-me que não desejava deixar a toalete para atender-me. Então, depois de pegar as sementes eu mesmo, ela disse que eu parecia forte e bonito, e tentou-me a ficar um pouco com ela dizendo que você não ficaria sabendo. Vê como a verdade mudou.”

“Você jura por Ra Harakiti que o que contou é verdade?” Gritou o irmão mais velho. “Por Ra Harakiti eu juro que é verdade,” disse o irmão mais novo, e tirou sua faca, e cortou um pedaço de sua carne, e atirou-o na água, e os crocodilos o comeram. Então o irmão mais velho satisfez-se e chorou por Bata e amaldiçoou sua esposa. Ele sabia que não poderia alcançar seu irmão por causa dos crocodilos, quedou-se lá e guardou sua faca.

“Agora sabemos que você fez algo mal tentando matar-me; você poderia fazer algo bom por mim?” disse Bata. Anpu disse que faria e então seu irmão lhe disse, “Estou partindo para o vale da acácia. Volte para sua casa e cuide de seu gado. O que você pode fazer por mim é isso; minha alma será removida e colocada na flor da acácia. Quando a acácia for cortada, e será, ponha a flor num copo de água fria, pois minha alma estará nela. Quando alguém lhe der um copo de cerveja na mão e ela estiver se agitando no vidro, então não se demore, vá em busca da flor, mesmo que tiver que buscá-la por sete anos, e coloque-a na água. Adeus.”

O jovem, então, parou de falar essas coisas estranhas e partiu para o vale da acácia. Seu irmão voltou-se e caminhou de volta à casa, ele estava com raiva de sua esposa e matou-a no calor de sua ira. Então, jogou fora sua faca e cuidou dos campos e do gado ele mesmo, sofrendo por seu irmão.

Muito tempo depois, o irmão mais novo estava vivendo no vale da acácia. Ele havia removido sua alma que agora vivia na flor mais alta da árvore de acácia. Ele havia construído para si próprio uma pequena casa onde vivia e que estava repleta de boas coisas.

Um dia, caminhando pelo vale, ele encontrou os Nove Deuses, que estavam indo inspecionar toda a terra do Egito. Os deuses conversavam entre si quando surgiu Bata no caminho e eles lhe falaram, “Ó Bata, Touro dos Nove Deuses, por que você caminha sozinho? Seu irmão matou a esposa e tudo está bem entre vocês. A transgressão dele está perdoada.”

Então, enquanto Bata se ajoelhava diante deles, Ra Harakhiti disse para Khnumu, “Faça uma mulher para Bata para que ele não viva só para sempre, uma companheira para sua solidão.” Khnumu fez uma esposa para ele. Ela era mais bela do que qualquer outra mulher já havia sido antes. Os sete Hathors vieram vê-la quando foi criada e eles exclamaram num acorde: “Ela morrerá uma morte chocante, embora a essência de todos os deuses esteja nela!”

Bata caçava o dia todo, voltava ao entardecer e depositava tudo que havia conseguido aos pés de sua esposa, pois ele a amava muito. Um dia ele lhe disse “Ouça, preciso alertá-la, jamais chegue muito perto do mar, pois se ele quiser capturar você e levá-la para longe eu não poderei salvá-la, pois minha alma está na flor no alto da acácia e não tenho outro poder além daquele na flor.”

Quando ela ouviu seu segredo sorriu e pensou muito sobre o assunto. No dia seguinte ela foi passear na beira do mar e o mar a viu, e começou a lançar suas altas ondas na direção dela. Ela correu assustada com a paixão do mar, afastando-se dele. Ela entrou em sua casa e o mar chamou a acácia dizendo: “Quero possuir aquela mulher, queria poder levá-la!” Então a acácia levou uma mecha do cabelo que a mulher havia cortado quando estava sentada debaixo da árvore e jogou-o na água. O mar levou a mecha para onde estavam os lavadeiros do Faraó.

Um dos lavadeiros, que estava em pé sobre a areia, pegou a mecha de cabelo. Ela tinha um perfume tão inebriante que ele quase perdeu os sentidos. Ele colocou a mecha entre as roupas que estavam sendo levadas para o Faraó e quando o Faraó sentiu aquele perfume sentiu-se extasiado. “De onde veio essa fragrância rara e maravilhosa?” exclamou o Faraó. “Tragam os sábios para que eles também possam senti-la e me contar.”

Vieram os homens sábios, com seus sinais e portentos, e disseram ao Faraó, “A fragrância é proveniente da mecha de cabelo da filha de Ra Harakhiti, a essência de todos os deuses se encontra nela. Envie mensageiros para o litoral e no vale da acácia ela será encontrada.”

Então o Faraó enviou muitos homens para o vale da acácia e eles tentaram capturar a esposa de Bata, mas ele matou a todos. Nenhum dos homens retornou ao Faraó e este, então, enviou mais homens, desta vez uma cavalaria de fortes soldados, para capturá-la.

Bata teve que deixá-la ir, mas eles não o mataram. Ele ficou só sob a acácia sentindo-se muito angustiado. De alguma forma, ele tentou enviar uma mensagem mental a seu irmão, para lembrá-lo do que havia lhe dito da outra margem do rio de crocodilos na última vez que se viram.

A bela mulher agradou o Faraó imensamente e ele lhe deu tudo o que estava em seu alcance. “Faraó,” disse ela, depois de ter sido presenteada com ouro, joias e os mais raros anéis, “Mande cortar a acácia, pois a alma de meu marido se encontra na sua flor mais alta e eu gostaria que ele estivesse morto.” Então os homens foram e cortaram a árvore do vale, tal que sua flor mais alta, onde se encontrava a alma de Bata, caiu sobre o solo e ele também, caiu morto.

Naquele exato momento alguém entregou a Anpu, o irmão mais velho, um copo de cerveja e o líquido começou a agitar-se quando ele estava prestes a bebê-lo. Ele, então, lembrou-se do que seu irmão lhe havia dito há tanto tempo. Ele pegou seu cajado e suas sandálias, suas roupas de viagem e partiu. Viajou todo o dia e toda a noite e chegou ao vale da acácia. Viu então que a árvore havia
sido cortada e viu o corpo morto de seu irmão. Chorou amargamente e buscou em todos os lugares a flor que continha a alma de seu irmão, mas não consegui encontrá-la. Deitou-se sob a árvore para dormir e disse para si mesmo – “Amanhã, e amanhã, e amanhã eu a buscarei, pois usarei todos os dias de minha vida, se necessário, para encontrar a flor.”

No dia seguinte ele não a encontrou, mas descobriu, num sulco do solo, uma semente. Ele mergulhou a semente num copo d’água e ela brotou. Logo tornou-se a flor que continha a alma de seu irmão. Poucos minutos depois, o corpo de Bata estremeceu sob o pano que lhe cobria e em seguida ele estava em pé, bem e forte diante de Anpu. Eles se abraçaram cheios de alegria, sentaram-se e conversaram juntos por muitas horas.

Então Bata disse a seu irmão, “Pelo favor dos deuses, estou para me tornar um grande touro e você deve montar-me. Quando o sol tiver se levantado três vezes deverei estar no lugar onde minha esposa faz o Faraó de tolo. E, quando eu estiver diante do Faraó, você será levado a ele e ele lhe dará ouro e prata, e outras boas coisas em retorno. Serei considerado por todos uma grande maravilha e você retornará à sua antiga vila como um homem rico.” Em seguida, diante dos olhos de Anpu, ele se transformou em um grande touro, e dentro de três dias eles estavam na presença do Faraó.

O Faraó jamais havia visto tão bela criatura em todos os seus domínios do Alto e Baixo Nilo e então, deu muitos presentes ao irmão mais velho e levou Bata em sua forma de touro para os estábulos reais, onde devia ser tratado em grande estilo. O touro gigante era tão manso que frequentemente era enfeitado com guirlandas de flores pelas damas reais. Um dia, quando sua esposa, agora uma Princesa por ordem do Faraó, aproximou-se dele, o touro lhe falou com sua voz humana, “Estou vivo; os deuses em suas sabedorias, fizeram-me habitar esse corpo maravilhoso de touro.”

Ela estava muito atemorizada e ponderou sobre como poderia livrar-se do marido uma vez mais. Então foi ao Faraó e disse, “Meu senhor, jamais serei feliz enquanto não tiver como remédio o fígado daquela criatura, a qual, estou certa, não serve para mais nada além de ser comida!” Imediatamente o Faraó ordenou que o animal fosse abatido e disse, “Que o fígado seja dado à Princesa, para que ela logo se recupere e fique bem novamente."

Planejou-se uma enorme festa e o touro foi sacrificado aos deuses. Quando estava sendo abatido o touro sacudiu-se e projetou duas gotas de sangue dos ferimentos em seus ombros nas paredes do palácio real. O sangue escorreu em cada lado da porta gigantesca e nos lugares onde o sangue molhou o chão nasceram duas árvores de Persea. Elas cresceram e cresceram, cada dia mais altas e eram ambas perfeitas em todos os sentidos.

Um cortesão foi falar ao Faraó, “Duas árvores gigantes estão crescendo, uma em cada lado da porta grande do palácio; são sinais propícios, ó Faraó!” E houve muito júbilo pelo surgimento dessas árvores. Muitas pessoas levavam oferendas a elas, por terem tido um crescimento miraculoso a partir do sangue do touro. As damas da corte colocavam guirlandas de flores em torno das árvores e oravam para elas.

Quando sua esposa veio, Bata falou-lhe em sua própria voz, a qual ela tão bem conhecia, “Mulher traiçoeira, eu sou Bata, a quem você traiu três vezes. Primeiro foi ao Faraó; depois fez com que cortassem minha árvore-alma e depois pediu pela morte do boi. Agora estou na força dessas árvores, jamais morrerei!”

Então a princesa foi ver o Faraó e lhe disse “Já que você me ama, poderia me fazer um pequeno favor? Não gosto da visão grotesca daquelas duas árvores de Persea, uma em cada lado da grande porta do palácio. Você poderia, por favor, ordenar sejam cortadas, pois elas crescem mais feias a cada dia e um dia irão derrubar o palácio; disso estou certa!”

O Faraó, embriagado de amor por ela, consentiu, e no dia seguinte lenhadores puseram-se a cortar as belas árvores de Persea com muito vigor necessário. A Princesa assistia em pé de não muito longe a essa atividade, com júbilo no coração, quando uma pequena farpa voou para sua boca. Ela ficou tão
espantada que a engoliu. Naquele momento as árvores foram ao chão, no lado de fora dos portões do Palácio.

Depois de nove meses a Princesa deu à luz a um filho e todos no país se regozijaram, pois o Faraó pensava que o filho era seu. Com o passar dos meses o amor do Faraó pelo filho aumentava e ele o criou para que se tornasse o filho real de Kush, herdeiro de todas as terras do Alto e Baixo Nilo. Não muito depois o Faraó morreu. Então, o Príncipe, herdeiro das terras, disse: “Que venham a mim todos os nobres, pois quero contar-lhes tudo que me aconteceu.”

Eles vieram e ele contou-lhes tudo. Seu irmão mais velho foi trazido da vila e foi nomeado ministro da corte. Então trouxeram sua esposa, ela foi julgada e recebeu sua punição. Ele foi rei do Egito por trinta anos e tanto encantou seu povo que seu irmão foi levado ao trono depois de sua morte.

30 dezembro 2014

O Príncipe Adil e os leões

Há muito tempo atrás e muito longe daqui, vivia um rei que tinha um filho de quem ele gostava muito e que se parecia muito com ele quando era jovem.
Um dia, o rei Azad disse ao grão vizir:
- Vamos levar meu filho à cova do leão e dizer-lhe o que se espera dele, agora que completou 18 anos.
O príncipe Adil foi chamado à presença do rei e o grão vizir assim lhe disse:
Alteza, sempre foi costume nesta nobre família, quando o herdeiro do trono chega à idade que você tem agora, que ele passe por um certo teste. Isto é para que fique estabelecido, sem nenhuma dúvida, se o príncipe está apto ou não para ser o futuro governante do nosso povo. Venha conosco e nós lhe mostraremos o lugar onde será seu teste.
O príncipe seguiu seu pai e o grão vizir até uma grande porta na parede de uma cova rochosa. Havia uma pequena grade na porta, através da qual podia-se ouvir o rugido de um leão.
- Veja, meu filho, disse o rei alisando a barba, aí dentro está um enorme leão criado na floresta. Você deve lutar com ele e submetê-lo com uma adaga e uma espada. Você pode fazer isso quando quiser. Todo homem de nossa família teve que passar por este teste antes de herdar o trono.
O príncipe olhou pela grade e empalideceu, pois o que ele viu foi de fato um leão muito grande, an-dando de um lado para o outro de uma caverna cheia de ossos. O animal tinha uma juba espessa e dentes brancos e afiados. De vez em quando, ele franzia o nariz, arreganhava os dentes e dava um rugido horripilante.
- Lutar? Submeter? Matar esta coisa? Como poderei fazer isso? O máximo que consegui até hoje foi matar um veado ou mandar meu falcão caçar um pássaro. Eu tenho certeza de que um leão deste tamanho e com toda esta força está além das minhas possibilidades, dizia o príncipe quase sem voz.
- Não tenha medo, disse o grão vizir. Você não precisa fazer isso agora. Um dia você poderá fazê-lo, quando se acostumar com a idéia. Pela graça de Allah, você vai encontrar a confiança necessária, quando tiver pensado um pouco sobre o assunto. Todos os seus antecessores o fizeram no final.
O rei sorriu e fez um sinal para que um escravo jogasse um pouco de carne para o leão, que a devo-rou com satisfação.
Depois disso, os dias se passaram e, embora o rei continuasse tratando seu filho tão gentilmente quanto antes, Adil sentia que sua tarefa pesava sobre ele e que seu pai devia estar ansioso para que matasse o leão imediatamente. Ele não conseguia sentir prazer em nada, pensando no que tinha que fazer.

Uma noite, depois de virar-se e revirar-se na cama sem conseguir dormir, ele se levantou. Vestiu-se, encheu uma bolsa com muitas moedas de ouro e foi até os estábulos reais. Acordou seu escudeiro e pediu-lhe que selasse seu cavalo favorito e que dissesse ao rei que ele ia fazer uma viagem.
A lua brilhava no céu e o príncipe se foi, sem olhar para trás, buscando uma resposta para seu pro-blema.
Na manhã seguinte, chegou à beira de um rio com prados verdejantes dos dois lados. Enquanto o cavalo bebia água, ele ouviu o som de uma flauta e logo em seguida avistou um jovem pastor levan-do carneiros para o pasto. Adil perguntou-lhe se ali por perto havia algum lugar onde ele pudesse ficar por uns dias. O pastor levou-o ao seu patrão, um homem rico que morava numa casa muito grande nas redondezas. Lá, o homem, que se chamava Haroun, convidou Adil para jantar e pergun-tou-lhe:
- De onde você vem e como estão seus rebanhos?
O príncipe respondeu com evasivas, dizendo que tivera certos problemas em casa que o obrigaram a viajar. Disse também que estava buscando uma resposta para uma questão pessoal, pedindo ao velho homem que não lhe perguntasse mais nada.
Imediatamente Haroun disse que Adil poderia ficar em sua casa quanto tempo quisesse e que ali ficassse à vontade. Seu cavalo foi levado ao estábulo e o príncipe pensou que gostaria de ficar um longo tempo naquele espaço tão tranquilo.
A cada dia descobria um lugar encantador onde se podia ouvir o som das flautas dos pastores, que naquela área eram inúmeros, pois aquela era a Terra dos Tocadores de Flauta Celestiais.
Acontece que uma noite, horrorizado, o príncipe ouviu rugidos de leões não longe da casa e contou a Haroun na manhã seguinte.
- Ah, sim, respondeu ele calmamente. Este lugar está infestado de leões. Eles caçam à noite. Fico surpreso de que você ainda não os tenha escutado. Por isso temos este alto muro em volta do jar-dim, senão eles já teriam levado toda a minha família. - E ele ria com gosto, como se tivesse dito uma piada.
O coração do príncipe encheu-se de medo. Assim que preparou seu cavalo para partir, despediu-se de Haroun agradecendo sua hospitalidade e, mais uma vez, pos-se na estrada, cavalgando o mais rápido que podia. À medida em que viajava, foi deixando para trás os verdes vales enquanto ia sur-gindo a sua frente uma árida planície arenosa onde não se via um único tufo de grama. O cavalo avançava com dificuldade, enfrentando o vento que, de vez em quando, levantava nuvens de poeira seca. Adil sabia que precisava logo encontrar água para ambos. Em silêncio, rezou para que na próxima duna surgisse um acampamento de beduínos ou um oásis pequeno.
Como em resposta a sua oração, ele viu no horizonte uma fila de tendas negras. Vários guerreiros se aproximaram, suas armas reluzindo ao sol, e o saudaram gritando "Assalamu Aleikum!". Eles o escoltaram até o Sheikh, que o recebeu calorosamente, dizendo-lhe que tinha muita honra em tê-lo como hóspede e que ele poderia ficar quanto tempo desejasse. Depois de uma deliciosa refeição de carneiro cozido, arroz com especiarias, figos e tâmaras maravilhosamente doces, o Sheikh perguntou a Adil que ventos o levavam naquela direção.
- Não me pergunte mais nada, disse o príncipe. Basta que você saiba que deixei minha casa com um problema, que espero resolver, tendo me ausentado da casa de meu pai até me sentir mais seguro de minha situação.
O Sheikh inclinou a cabeça, alisou a barba e deu uma baforada no cachimbo.
- O tempo nos dá todas as respostas, murmurou, se pudermos ser pacientes.
O príncipe sentiu que poderia ficar para sempre naquele lugar, onde, durante o dia, respirava o ar frio e fresco do deserto, caçando antílopes e comendo fartas comidas na companhia do Sheikh.
Mas um dia, depois de duas semanas de tranquilidade, o velho Sheikh lhe disse:
- Meu filho, meu povo e eu gostamos de você e admiramos o modo como se juntou a nós em nossos divertimentos. Mas somos guerreiros e temos que lutar com outras tribos. É necessário ter muita bravura pessoal para a nossa sobrevivência, por isso, gostaríamos de submetê-lo a um teste onde pudéssemos ter uma evidência do seu valor. A duas milhas ao sul desta área está uma cadeia de montanhas infestada de leões. Levante-se cedo amanhã e, depois da oração do alvorecer, pegue o melhor de nossos cavalos e com uma lança e uma espada mate um destes animais. Depois disso, arranque sua pele e traga-a para nós, assim terá provado sua valentia.
O rosto do príncipe tornou-se branco como cera e enquanto dizia boa noite ao Sheikh, tomado pelo medo, tinha certeza de que não poderia enfrentar aquelas criaturas selvagens.
- Deus do céu, ele se dizia ao abandonar o acampamento antes da última refeição da noite, parece que encontro leões em qualquer lugar para onde vou. Não posso entender, afinal, eu saí de casa justamente para evitá-los.
Viajou muito tempo pela noite estrelada. De manhã chegou a uma bela região onde as flores selvagens cresciam nas montanhas. Avistou ao longe um magnífico palácio, o mais belo que ele jamais vira. Era feito de uma pedra rosada, com colunas de lápis lazuli e balcões de madeira esculpida e pintada de várias cores. Havia fontes nos jardins a sua volta, pássaros que cantavam em árvores cheias de flores, e muitos pavilhões cobertos de jasmins e rosas docemente perfumadas.
- Parece um paraíso na terra! disse Adil para si mesmo enquanto se aproximava do palácio. Nos portões, guardas levaram-no ao quarto de hóspedes, onde tomou um banho e vestiu roupas limpas, ajudado por servos sorridentes. Depois, foi conduzido à presença do Emir, um homem de barbas cinzentas que lhe perguntou o que o trouxera ali. Junto dele estava sua filha Perizade, que tinha lindos olhos amendoados e um cabelo negro como a cauda de um pássaro.
- Minha situação é tal que não posso falar dela, tentou responder o príncipe, evitando olhar para a adorável Perizade, por quem ele tinha imediatamente se apaixonado.
- Eu deixei meu país porque tinha um problema para resolver.
- Eu entendo, disse o Emir balançando a cabeça. E começou a falar de outros assuntos.
Depois da refeição, o Emir mostrou a Adil o palácio por dentro em toda sua magnificência. Escadas de mármore levavam a aposentos cheios de móveis de madeira de várias partes do mundo. As paredes e o teto eram cobertos de mosaicos de turquesa e ouro, afrescos e espelhos. As janelas eram de vidro transparente pintado em cores delicadas e os tapetes macios como seda, tão bem tecidos e mostrando paisagens tão harmoniosas que quase não pareciam ter sido feitos por mãos humanas.
O Emir o levou finalmente a seu quarto para que ele pudesse descansar e lhe disse que ele ficasse ali o quanto lhe fosse possível ficar.
Sozinho, olhando todo aquele esplendor a sua volta, Adil pensou que naquele lugar ele poderia ficar o resto de sua vida.
Muitos dias se passaram. A princesa Perizade encantava-se em poder mostrar ao príncipe os jardins em várias horas diferentes. Um dia, ao entardecer, ele a ouvia cantar e tocar alaúde com extrema graça e perfeição. Foi então que escutou um som que o arrepiou dos pés à cabeça.
- Pare, gritou ele, que som foi este?
- Não ouvi nada, ela respondeu um pouco aborrecida pela interrupção. e continuou a tocar.
- Foi ali, perto de uns arbustos. Parecia o rugido de um leão!
Ela riu e lhe disse:
- É apenas Rustum, nosso guardião, como o chamamos. É o animal de estimação de toda a corte. A esta hora ele vigia nossos jardins. Eu o conheço desde que era um filhotinho e à noite ele dorme à porta do meu quarto.
Nesta noite, completamente cheio de medo, o príncipe quase não tocou na comida. Quando subiu as escadas acompanhado pelo Emir, quase saiu correndo ao ver o enorme leão parado à porta do seu quarto.
- Veja que honra, disse o Emir. O bom Rustum está esperando para levá-lo para a cama! Ele não faz isso com muita gente, não. Apenas se aborrece se vê que alguém tem medo dele. Mas, na realidade, é extremamente manso.
- Eu tenho medo dele, sussurrou o príncipe, realmente tenho muito medo.
Mas o Emir pareceu não escutá-lo e se despediu, deixando Adil com o leão. O príncipe abriu a porta e, o mais rápido que pôde, fechou-a atrás de si. Não conseguiu dormir a noite inteira. Quando se levantou pela manhã, começou a pensar que seria melhor voltar para casa. Havia tantos leões no seu caminho que seria melhor lutar com o leão na cova e acabar logo com isso, em vez de ficar fugindo a vida toda. Foi até o Emir e lhe disse:
- Peço permissão para partir e enfrentar meu próprio problema a minha maneira, ou então nunca estarei em paz comigo mesmo. Sou um covarde e quero deixar de sê-lo, em honra de meu pai. Sou o filho do rei Azad e fugi do dever que todos os homens de minha família devem realizar. Estou envergonhado e sei que nunca poderei pedir a mão da princesa Perizade enquanto não encarar meu destino e lutar com o leão naquela cova.
- Muito bem falado, meu filho, disse o Emir. Desde o primeiro momento eu soube quem você era, pois você se parece muito com seu pai quando jovem. Sempre respeitei e admirei o rei Azad. Vá, lute com o leão e eu lhe darei minha filha em casamento.
O príncipe montou no seu cavalo e galopou até o acampamento das tendas pretas.
- Benvindo, príncipe Adil, disse o Sheikh beduíno, conheci o seu pai quando tínhamos ambos a idade que você tem agora. Eu pude saber quem você era pela enorme semelhança que você tem com ele, aliás, maior agora de que no dia em que você chegou aqui.
Adil contou-lhe sobre sua intenção de voltar para casa, o que muito agradou ao Sheikh.
Depois de descansar aquela noite, o príncipe seguiu viagem e descobriu, no caminho, que estava com muita saudade de casa, com leão e tudo e que mal podia esperar para dizer a seu pai que estava preparado para enfrentar aquela criatura dentro da cova.
Logo chegou à terra dos tocadores de flauta celestiais. Quando encontrou o dono daqueles campos no pátio de sua casa, ele lhe disse:
- Quando cheguei aqui pela primeira vez, era um covarde. Agora estou pronto para lutar e fazer o que meus antepassados fizeram, seja qual for o resultado. Tenho confiança em Allah, o compassivo.
- Que assim seja, disse o velho homem. Eu sabia que você - sendo o verdadeiro filho de seu pai, que foi meu companheiro quando estudamos juntos - no tempo certo, iria enfrentar suas dificuldades. Vá e que Allah esteja com você!
Algum tempo depois, Adil chegou a seu reino e pediu imediatamente ao grão-vizir para levá-lo à cova do leão. O velho rei o abraçou muito feliz e os três se dirigiram para a caverna.
A espada e a adaga que o príncipe carregava brilhavam ao sol. Então, um escravo abriu a enorme porta e Adil entrou corajosamente.
O leão começou a rugir, levantou-se e andou na direção do príncipe com a enorme mandíbula aberta. O príncipe olhou para aquele animal sem medo, armas na mão, enquanto o rei, o vizir e o escravo ficaram em silêncio, observando. O leão deu um outro rugido, mais forte que o anterior e chegou perto dele. Então, para o espanto do príncipe, o monstro pôs-se a esfregar sua cabeça contra seus joelhos e lambeu suas botas como um cão amestrado.
- Agora você pode ver, disse o grão-vizir, que este leão é tão dócil quanto um escravo dedicado e não faz mal a ninguém. Você passou no teste por ter entrado na sua toca. A prova do seu valor está completa. Agora você é digno de ser o nosso futuro rei. Louvado seja Allah!
O jovem mal podia acreditar no que tinha acontecido. Quando saiu dali, o leão veio junto com ele, andando a seu lado, até que o escravo o levou de volta para a cova.
Houve muita festa no palácio e no dia seguinte as comemorações se estenderam para cada casa na cidade. Seguindo a tradição, o rei distribuiu moedas de ouro e prata para o povo reunido no grande pátio sob o balcão real.
Adil contou a seu pai sobre seu desejo de casar-se com a princesa Perizade e o rei mandou um mensageiro buscá-la.
Para Adil, o tempo que a comitiva demorou a trazer sua amada pareceu-lhe uma eternidade. Ela chegou acompanhada de parentes e amigos, todos vestidos com as mais belas roupas de casamento. Até o fim de seus dias ele guardou na memória a visão que teve da princesa, cavalgando um cavalo branco árabe, com roupas da mais pura seda e jóias de beleza inigualável.
As festividades do casamento duraram sete dias e sete noites. Assim, eles foram muito felizes e, quando Adil tornou-se rei, fez uma inscrição com letras de ouro no chão de seu quarto de estudos particular que dizia:

Nunca fuja de um leão.


Enviado por Thais Helena.

25 dezembro 2014

A Princesa da Água da Vida


Era uma vez, quando não havia tempo, no País do Lugar Nenhum, uma pobre garota chamada Raida, que vivia solitária em uma pequena cabana.
Um dia, caminhando pelo bosque, Raida viu que um enxame de abelhas havia abandonado sua colméia, e decidiu recolher o mel.
"Levarei este mel ao mercado e o venderei. Com o dinheiro que conseguir procurarei melhorar minha vida", disse para si mesma.
Raida correu para casa e voltou com um pote, enchendo-o de mel. Ela não sabia no entanto que a causa de sua pobreza era um gênio maléfico que tentava por todos os meios impedir que ela tivesse êxito em qualquer coisa.
O gênio acordou quando alguma coisa lhe disse que Raida estava começando a fazer algo de útil. Ele correu ao lugar onde ela se encontrava com a intenção de causar-lhe problemas. Logo que viu Raida com o mel o gênio se transformou em um galho de árvore e empurrou seu braço, de maneira que o pote caiu e se quebrou, entornando todo o mel. O gênio, ainda sob a forma de um galho, ria-se com satisfação, balançando-se de um lado para outro.
"Isto a deixará furiosa", disse para si mesmo.
Mas ela apenas contemplou o mel e pensou:
"Não importa, as formigas vão comer o mel, e talvez algo surja disso."
Raida tinha visto uma fileira de formigas cujas exploradoras já estavam experimentando o mel para ver se lhes seria útil. Quando começou a atravessar a floresta, no caminho de volta para a sua cabana, Raida notou que um cavaleiro estava vindo em sua direção.
Quando estava apenas a alguns metros dela, o homem levantou o chicote displicentemente e, ao passar, bateu num galho. Raida viu que era uma árvore de amoras, e que o golpe tinha feito com que frutas maduras caíssem no chão. Ela pensou:
"Boa idéia. Recolherei as amoras e as levarei ao mercado para vendê-las. Talvez algo surja disso."
O gênio a viu juntando as frutas e riu-se por dentro. Quando ela terminou de encher seu cesto ele se transformou em um burro e a seguiu silenciosamente pelo caminho que levava ao mercado.
Quando Raida se sentou para descansar, o gênio sob a forma de burro aproximou-se, esfregando o focinho em seu braço. Raida bateu-lhe no focinho, e então de repente a horrível criatura se jogou sobre o cesto de amoras, esmagando-as até a polpa. O suco espalhou-se pelo caminho, e o falso burro afastou-se galopando alegremente entre os arbustos.
Raida olhou para as frutas com desânimo. Nesse momento no entanto a rainha estava passando por ali, a caminho da capital.
— Detenham-se imediatamente! — ordenou aos carregadores da liteira. — Essa jovem perdeu tudo. Seu burro esmagou as frutas e fugiu. Ela estará perdida se não a ajudarmos.
Assim foi que a rainha convidou Raida a subir na sua liteira, e rapidamente se tornaram amigas. A rainha deu uma casa a Raida, e logo ela se converteu em uma próspera comerciante, por seus próprios méritos.
Quando o gênio viu como as coisas estavam indo bem para Raida, deu uma boa examinada na casa para ver o que poderia fazer para arruína-la. Ele percebeu que todas as mercadorias eram guardadas em um armazém atrás da casa. De modo que botou fogo na casa e no armazém, que se queimaram até os alicerces em menos tempo do que se leva para contar.
Raida saiu da casa correndo quando sentiu o cheiro da fumaça, e contemplou as ruínas com pesar. Então percebeu que uma fila de pequenas formigas estava se formando. Elas carregavam grão a grão sua reserva de milho, que estivera embaixo da casa, para outro local de maior segurança. Para ajudá-las, Raida ergueu uma grande pedra que cobria o formigueiro, e debaixo dela brotou uma fonte de água. Enquanto Raida a experimentava as pessoas da cidade iam se juntando à sua volta, exclamando:
— A água da Vida! Isto é o que foi profetizado!
Elas contaram à Raida como havia sido profetizado que, um dia, depois de um incêndio e de muitos desastres, uma fonte seria encontrada por uma jovem que não se afligia com as calamidades que lhe aconteciam. Esta seria a última fonte da vida.
E foi assim que Raida se tornou conhecida como a Princesa da Água da Vida, da qual até hoje é a guardiã. Essa água pode ser bebida para dar imortalidade àqueles que a encontram, por não se impressionarem pelas calamidades que lhes possam ocorrer.

18 outubro 2014

Quando as águas foram mudadas 2

Existe uma antiga história sufi: aconteceu de uma bruxa ir a uma capital, ela jogou alguma coisa dentro do poço, entoou um mantra e disse: "Quem beber da água deste poço vai enlouquecer." A cidade tinha apenas dois poços: um para a população comum, e outro no palácio para o rei e o primeiro-ministro. É claro que as pessoas tiveram de beber da água, cientes de que ficariam loucas. Mas não havia outra maneira -- aquele provavelmente era o único poço. Elas não tinham a permissão de ir ao palácio para conseguirem a água de lá. Então a cidade inteira à noite, quando o sol estava se pondo, ficou louca, Mas ninguém percebeu, porque, quando todo mundo fica louco, como você pode perceber? Como os hippies dizem, cada um estava fazendo suas próprias coisas. As pessoas estavam dançando nuas, chorando, gritando; as mulheres corriam nuas pelas ruas. As pessoas estavam fazendo todos os tipos de ioga... uma pessoa de cabeça para baixo, outra fazendo outros ássanas -- a cidade toda estava em um pesadelo.

Havia muita alegria. As pessoas comemoravam, pulavam e gritavam – a cidade toda estava acordada! Apenas o rei e o primeiro – ministro estavam tristes, muito tristes: “O que fazer? A cidade toda ficou louca,e as pobres almas nem sequer percebem, pois quando todos estão loucos, como vão perceber?” Na verdade, o rei e o primeiro – ministro suspeitavam de sua própria sanidade. Talvez a loucura tivesse ocorrido para os dois, porque a cidade toda parecia alegre e alheia.Milhares de pessoas, todas loucas, e ninguém pensava que os outros estavam loucos.Naquela cidade, é claro que o rei e o primeiro – ministro duvidaram de si mesmos: talvez a loucura tivesse acontecido para eles! E à meia-noite, surgiu um grande problema, porque a cidade toda se reuniu e todos ficaram sabendo que alguma coisa tinha acontecido de errado com o rei e o primeiro-ministro. Havia um rumor de que os dois tinham enlouquecido. E, é claro, todos concordaram.

As pessoas cercaram o palácio. Os guardas estavam loucos, a policia estava louca, o exército estava louco, então não havia proteção alguma, e começaram a exigir: "Ou vocês voltam ao normal, ou nós vamos tirá-los do poder." "O rei perguntou:O que fazer?” O primeiro-ministro disse: “Converse com eles,e eu vou correr para pegar um pouco de água do poço, porque agora não resta outra maneira. Nesse lugar de loucos, se quisermos sobreviver, teremos de ser loucos. Ele buscou um pouco de água no poço da cidade. Os dois beberam dela, ambos começaram a dançar, tiraram suas roupas—e a cidade inteira ficou feliz ao ver que o rei e o primeiro-ministro tinham voltado ao normal, que eles tinham recobrado a sanidade.

17 outubro 2014

Quando as águas foram mudadas

Certo dia, faz muito tempo, Khidr, o mestre de Moisés, dirigiu uma advertência ao gênero humano. Numa data determinada, declarou, todas as águas do mundo que não tenham sido especialmente guardadas desaparecerão. Serão então renovadas com uma água diferente e que fará os homens enlouquecerem.
Somente um homem prestou atenção à advertência. Recolheu bastante água e armazenou-a em lugar seguro, esperando que as águas mudassem de características.
No dia indicado as torrentes deixaram de correr, os poços secaram, e o homem que dera ouvidos à advertência, vendo o que ocorria, foi a seu refúgio e bebeu da água guardada no pequeno reservatório.
Quando notou, lá de seu abrigo, as fontes jorrarem novamente, desceu da colina e foi misturar-se aos outros homens. Comprovou que estavam pensando e falando de um modo inteiramente diverso do anterior, nem sequer tinham lembrança do que acontecera, tampouco de terem sido alertados por Khidr. Quando tentou dialogar com eles, percebeu que o julgavam louco, tratando-o com hostilidade ou compaixão, ao invés de compreendê-lo.
De início ele não bebeu da água renovada, retornando a seu refúgio e servindo-se diariamente da água que guardara. Mas, finalmente, resolveu beber da nova água por não poder suportar mais a tristeza de seu isolamento, comportando-se de maneira diferente dos demais. Bebeu a nova água e se tornou igual aos outros. Então se esqueceu inteiramente de tudo que se referia à água especial que armazenara. E seus semelhantes passaram a encará-lo como a um louco que fora devolvido à razão milagrosamente.

Extraído de 'Histórias dos Dervixes'
Idries Shah
Nova Fronteira 1976

27 abril 2014

A Sorte de Catarina

Há muito tempo atrás, viveu um mercador muito rico e generoso, que possuía um palácio deslumbrante. O orgulho de sua vida era sua filha, uma linda criatura chamada Catarina. Catarina era alta e magra, com cabelos negros e olhos grandes e brilhantes. Suas mãos e seus pés eram pequenos e delicados, sua pele tão macia como as pétalas de uma rosa. No palácio havia tronos de ouro, turquesas enfeitavam cadeiras de prata, rubis as molduras dos quadros e diamantes as fontes de água. Tudo ao redor de Catarina era luxo e beleza. Pavões passeavam pelos jardins, flores desabrochavam em vasos pendurados nas árvores, em suma, o melhor que o dinheiro podia comprar. Um dia, quando Catarina estava andando pelo jardim, vestida numa longa túnica de seda bordada em finíssimas pérolas, com um capuz do qual pendiam outras tantas fileiras de pérolas, uma dama de aparência elegante surgiu à sua frente. Havia algo de notável nessa mulher, seus olhos eram muito penetrantes e escuros, suas roupas pareciam não ser nada além de cortinas luminosas. - Catarina, minha querida criança, disse a dama, o que você prefere: gostaria de gozar sua vida na sua juventude ou gostaria de gozá-la na sua velhice? Você tem somente essas duas escolhas. Catarina pensou por um momento e então falou: - Se eu tiver o meu prazer agora, sofrerei por isto nos meus últimos anos? E a dama alta respondeu: Sim. - Mas como é que você sabe ? perguntou Catarina, que continuava a ponderar sobre a questão. - Porque eu sou a sua Sorte, respondeu a aparição. - Oh, então eu terei a minha boa fortuna na minha velhice, disse Catarina. - Muito bem, que assim seja, disse a sua Sorte, e desapareceu. Catarina nada pensou a respeito desse encontro e retornou até sua casa para trocar suas roupas por outras ainda mais finas. Mas alguns dias depois algumas coisas terríveis começaram a acontecer. Uma grande tempestade se abateu sobre o mar. O pai de Catarina estava esperando seus navios voltarem de um país estrangeiro, carregados de ricas mercadorias, mas todos eles foram mandados para o fundo do oceano pela tormenta. Seus armazéns foram queimados por um misterioso fogo; então, quando ele decidiu preparar novos navios, nada havia para colocar dentro deles. Ele alugou seus barcos a um duque, que queria acompanhar um príncipe que seguia para a guerra, mas todas as naus foram afundadas num encontro com piratas. Os homens do duque foram mortos e o próprio duque ficou sem um tostão. Ladrões arrombaram a casa e roubaram todas as joias de Catarina; suas roupas foram então vendidas para que eles tivessem o que comer por mais algum tempo. Por fim, infeliz e doente, o pai de Catarina morreu, deixando-a só no mundo. Sem dinheiro e com roupas muito simples, Catarina decidiu abandonar essa cidade que havia lhe trazido tanta má sorte e encontrar, se possível, algum trabalho num outro lugar. Então ela disse adeus à cidade onde nascera e começou sua longa e penosa marcha. Finalmente alcançou uma aristocrática cidade longe de seu próprio país, e parou um instante no meio da rua, imaginando aonde ir. Tinha um pouco de dinheiro, que uma antiga ama havia lhe dado, e estava pensando aonde poderia comprar um pouco de pão. Uma senhora de boa posição, olhando para fora de sua janela, viu-a e chamou-a: - Quem é você, minha querida, e de onde vêm? Você não é dessa parte do mundo. - Senhora; estou sozinha no mundo, pois meu pai, que um dia foi um rico mercador, morreu. Procuro um lugar onde possa comprar um pouco de pão. - Venha para minha casa, eu preciso de uma criada e você desempenhará essa função muito bem, disse a nobre senhora; e Catarina entrou agradecida na enorme construção. A senhora afeiçoou-se muito a ela, e lhe confiava todos os seus bens. Um dia a dona da casa lhe disse: - Preciso sair por um momento; feche bem a porta e não deixe ninguém entrar ou sair até que eu volte. Então Catarina fechou a porta e sentou-se perto do fogo. Mas a nobre senhora havia saído, a porta se abriu e sua Sorte entrou. - Olhe, aí está você, Catarina! Gritou sua Sorte asperamente. - Arranjou um bom lugar para ficar, não é mesmo? Bem, você não pode escapar de mim dessa maneira, sabe... E começou a atirar no chão todos os objetos de valor da dona da casa, quebrando vidros e porcelanas, rasgando em pedaços linhos caríssimos. - Oh, não, não, não!!! Gritou Catarina. - Isso vai me causar problemas terríveis! A senhora confia em mim!! - Ela confia? Zombou sua sorte. - Bem, então explique isso quando ela voltar... E transformou a longas cortinas de seda em farrapos. Catarina colocou as mãos no rosto e fugiu, correndo da casa, sem nunca olhar para trás, no caso de sua sorte estar lhe seguindo. Mal ela acabara de sair, sua Sorte colocou tudo novamente como estava antes e desapareceu. Quando a senhora retornou, a casa estava perfeitamente arrumada, mas Catarina tinha ido embora. A senhora chamou e chamou, mas claro que a pobre garota não ouviu, pois estava já muito longe. A dama examinou tudo, pensando que talvez Catarina a tivesse roubado, mas nada estava lhe faltando. Ela não podia entender o que acontecera, pois a garota parecia ser de toda confiança. Ora, a pobre Catarina correu até alcançar outra cidade e, ao procurar um lugar onde pudesse comprar um pouco de pão, outra senhora que estava parada na janela a notou. A dama abriu a janela e lhe falou: - De onde você é e o que faz neste lugar, já que é obvio que está perdida? - Sou uma pobre garota de longe e procuro algo para comer, pois tenho muita fome, respondeu Catarina. - Bem, venha para minha casa, disse a dama. - Eu vou alimentá-la, vesti-la, e arranjar-lhe um lugar entre a minha criadagem. Então, Catarina entrou. Mas a mesma coisa aconteceu, como antes. Assim que ela se estabeleceu na casa e todos os valores lhe foram confiados, sua Sorte apareceu e criou o caos em apenas alguns segundos. - Você pensa que há algum lugar nesse mundo onde eu não seja capaz de encontrá-la ? gritou sua sorte asperamente, derrubando frascos de incenso de valor incalculável que se espatifaram no chão. Catarina colocou as mãos no rosto e correu. E assim foi durante sete anos. Cada vez que Catarina era acolhida por alguma simpática senhora, o aparecimento de sua Sorte fazia com que ela tivesse que partir em viagem, infinitamente, parecia-lhe. Mas ela nunca conseguia escapar por muito tempo. Porém, - e isto Catarina não sabia – sua Sorte sempre restaurava tudo à antiga forma, no mesmo minuto em que Catarina desaparecia. Bem, sete anos se passaram e quando Catarina estava trabalhando para uma senhora nobre, muito bondosa de coração, parecia que sua Sorte quase havia se esquecido dela. Dia após dia Catarina cuidava da casa, e tudo dava certo para ela. No entanto, a tensão era muito grande, pois a cada hora ela esperava que a porta se abrisse e sua Sorte aparecesse. Todo dia ela devia ir à montanha para sua patroa, com uma cesta repleta dos mais finos pães e queijos. Uma figura alta e digna pegava a cesta de suas mãos graciosamente a cada dia e, após cumprimentá-la, desaparecia na caverna. Um dia sua senhora patroa lhe disse: - Sempre procuro ganhar as boas graças de minha Sorte dessa maneira. Se eu não lhe enviar pão fresco e queijo, tremo só em pensar o que ela poderia causar-me. Nesse momento, Catarina começou a chorar, incapaz de esconder sua dor, pois ela havia sofrido muito nesses últimos sete anos, e não conseguia continuar escondendo sua tristeza. - Minha querida criança, o que está acontecendo com você? Conte-me logo! Gritou a nobre senhora, colocando sua mão no ombro de Catarina. Então Catarina contou-lhe a história da crueldade de sua sorte, e completou: - Penso que não posso continuar nessa angústia, esperando que ela apareça a qualquer momento e transforme tudo em pedaços, como já fez tantas vezes. Na verdade, quero ir embora daqui logo, pois dessa forma não trarei a destruição de minha sorte para esta casa. - Agora, deixe-me pensar num plano, disse a nobre mulher, balançando a cabeça. - Sim, já sei! Quando você for à montanha levar o pão para minha Sorte, conte-lhe sua história e apele para que ela tenha uma palavrinha com a sua Sorte, para que deixe de atormentá-la dessa maneira. Tenho certeza de que minha Sorte, que é bondosa, ajudará. Assim, no dia seguinte, quando Catarina foi até a montanha levar a cesta para a Sorte de sua senhora, pediu para que ela intercedesse junto à sua própria Sorte. - Bem, sua Sorte está dormindo debaixo de sete cobertores nesse momento, disse a sorte de sua patroa. Mas quando você vier amanhã, eu a levarei junto comigo até ela, pois deve estar acordada. Catarina foi embora cheia de esperanças e dormiu esta noite quase que completamente em paz. Ao levar o pão à montanha na manha seguinte, a Sorte de sua senhora levou-a até a sua própria Sorte, que estava deitada numa grande cama, enfiada até os olhos debaixo de sete cobertores de pena. - Bem, irmã, aqui está Catarina, disse a Sorte de sua nobre senhora. - Pare de atormentá-la desse jeito, deixe-a um pouco em paz agora, eu lhe peço. Sua sorte disse apenas: - Aqui está uma meada de seda, ela lhe será muito útil, cuide dela com carinho. Agora me deixe descansar. E desapareceu debaixo dos cobertores. Intrigada com isso, Catarina voltou para casa. Sua patroa estava ansiosa para saber o que acontecera, mas a história que Catarina lhe contou não parecia ter nem pé nem cabeça. - Essa seda não vale muita coisa, mas é melhor você guardá-la. Ela lhe deve ser útil, como sua Sorte disse, falou a nobre mulher. O rei daquele país, que era jovem e extremamente bonito, estava para se casar. O alfaiate real estava muito constrangido, pois descobriu que, em todo o reino, não se encontrava seda da cor apropriada em quantidade suficiente para costurar o traje de núpcias do rei. - Lancem uma proclamação, disse o Rei. Preciso que minha roupa fique pronta a tempo. Enviem-na aos quatro países que fazem fronteira com meu reino e aos quatro cantos dos meus domínios! Qualquer pessoa que tiver seda dessa cor deve trazê-la até a corte e eu a recompensarei generosamente. A nobre senhora ouviu a proclamação e veio contar para Catarina: - Catarina, minha criança, coloque este vestido e leve esta meada de seda até a corte. É exatamente a cor que o alfaiate está procurando, ela gritou excitada. - Tenho certeza que você será generosamente recompensada. Quando Catarina apareceu na corte e se postou diante do trono, o jovem rei achou-a tão bela que não conseguiu desgrudar os seus olhos daquele rosto. - Sua majestade, disse Catarina, será que esta seda é adequada para seu traje de núpcias? - Você será paga com puro ouro por ela, disse o Rei. Tragam a balança e pesaremos essa meada. Seja qual for o seu peso, você receberá o mais fino ouro do meu reino por ela. Trouxeram a balança, mas não importava quanto ouro fosse colocado, a meada sempre continuava pesando mais. O rei mandou trazer mais balanças, maiores que primeira, e despejou todo seu tesouro nelas, mas a meada de seda continuava pesando mais. Então, no auge da exasperação, e rei tirou a coroa de sua cabeça e colocou-a na balança. No mesmo instante a balança se equilibrou e o rei sorriu. - Onde você conseguiu essa seda, minha querida? Ele perguntou a Catarina. - De minha Patroa, disse Catarina. - Impossível! Gritou o rei. Que tipo de mulher é sua patroa para possuir uma seda mágica como essa? Então Catarina contou ao rei tudo o que havia lhe acontecido, e ele tomou-lhe as mãos entre as suas: - Vou me casar com você em vez de com a jovem à qual eu havia sido prometido. Ele disse e assim aconteceu. Daí em diante, Catarina, que tinha sofrido tanto em sua juventude, viveu até se tornar uma senhora bem velhinha, e foi feliz até o momento de sua morte como rainha desse longínquo país. Extraído de 'World Tales', Idries Shah, Octagon Press.

31 março 2014

O Jantar do Mágico

Era uma vez um mágico que tinha construído sua casa perto de um próspero vilarejo.

Um dia ele convida toda a população para jantar. “Antes de comer - anuncia ele a seus hóspedes - nós vamos nos divertir um pouco”.

As pessoas ficaram felizes. O mágico apresenta-lhes um número de prestidigitação de primeira linha. 

Os coelhos saltavam das cartolas, echarpes coloridas surgiam do nada, uma coisa se transformava em outra... A platéia estava maravilhada...
Então o mágico lhes pergunta: “Vocês querem jantar agora ou desejariam ver outros truques?”

Todos, unânimes, pedem mais pois eles nunca haviam visto nada igual: comida se tinha em casa, mas eles nunca, em toda a sua vida, haviam vivido nada de tão excitante.

Quando o mágico se metamorfoseia em pombo depois em falcão e, máximo da magia, em dragão, foi um delírio.

Ele novamente lhes faz a mesma pergunta e os cidadãos respondem da mesma forma pois queriam mais. E eles tiveram mais.

Depois ele os pergunta se queriam comer, e eles responderam que sim.

Então o mágico, graças a seus poderes mágicos, os faz crer que eles estavam comendo, desviando as atenções com todo tipo de estratagema.

A comida imaginária e os divertimentos prosseguiram por toda a noite. Quando a aurora se levanta, certas pessoas falaram: “Agora temos que ir trabalhar.”

Então o mágico os fez imaginar que eles voltavam à suas casas, se preparavam para ir ao trabalho e cumpriam efetivamente suas necessidades diárias.

Bem, cada vez que um do seus convidados declarava ter alguma coisa a fazer, o mágico o fazia primeiro acreditar que ele ia fazer, depois que ele havia feito e, finalmente, que ele tinha voltado para casa do mágico.

Este mágico acaba exercendo um tão poderoso domínio sobre os habitantes do vilarejo, que eles só trabalhavam para ele, o mágico, e acreditavam cumprir normalmente suas obrigações diárias. Cada vez que eles ressentiam uma leve inquietude, ele os levava a crer que eles tinham vindo ainda uma vez mais jantar na casa dele e isto os agradava e ao mesmo tempo os fazia esquecer.
E como tudo isto termina?

Acreditem que não posso dizer-vos porque o mágico ainda está muito ocupado no seu papel de  mágico e a maior parte das pessoas estão ainda enfeitiçadas por ele.