25 dezembro 2009

A Situação

"A humanidade está adormecida, preocupada apenas com o inútil, vivendo num mundo errado. Acreditar que podemos excelir nisso é apenas hábito e uso, não é religião. Essa religião é inepta....
Não fique tagarelando diante do Povo do Caminho; antes consuma-se. Você terá um conhecimento e uma religião invertidos se estiver de cabeça para baixo em relação a Realidade.
O homem enrola a rede em torno de si mesmo. Um Leão (um homem do Caminho) despedaça a jaula."

Mestre sufi Sanai, do Afeganistão, professor de Rumi, em O jardim murado da verdade, escrito em 1131 d.C.

14 dezembro 2009

A História de Muskil Gusha

Era uma vez, a menos de mil milhas daqui, um pobre lenhador viúvo que vivia com sua pequena filha. Todos os dias costumava ir às montanhas cortar lenha que trazia para casa e a atava em feixes. Então, depois da primeira refeição, caminhava até o povoado mais próximo, onde vendia a lenha e descansava um pouco antes de voltar para casa. Um dia, ao chegar em casa já muito tarde, a menina lhe disse:

»Pai, às vezes desejo que pudéssemos ter uma comida melhor, com mais fartura e variedade de coisas para comer.«

»Está bem minha filha« falou o velho »amanhã me levantarei mais cedo do que costumo, irei mais alto nas montanhas, onde há mais lenha, e trarei uma quantidade maior que a de costume. Voltarei para casa mais cedo, enfeixarei a lenha mais depressa, e irei ao povoado vendê-la para que possamos ter mais dinheiro. E lhe trarei toda espécie de coisas deliciosas para comer.«

Na manhã seguinte, o lenhador se levantou antes da aurora e partiu para as montanhas. Trabalhou arduamente cortando e empilhando lenha, que amarrou num enorme feixe e carregou nos ombros até sua casa.

Quando chegou em casa, era muito cedo ainda. Colocou sua carga de lenha no chão, atrás da casa, è bateu à porta dizendo:

»Filha, filha, abra a porta, pois tenho fome e sede e preciso comer alguma coisa antes de ir ao mercado.«

Mas a porta estava trancada. O lenhador estava tão cansado que se deitou no chão e logo adormeceu profundamente, ao lado do feixe de lenha.

A menina, tendo esquecido completamente a conversa da noite anterior, ainda dormia. Horas depois, quando o lenhador acordou, o sol já estava alto. Bateu novamente à porta dizendo:

»Filha, filha venha logo. Preciso comer alguma coisa e ir ao mercado vender a lenha, pois já é muito mais tarde do que costumo ir.«

Mas, havendo esquecido completamente a conversa da noite anterior, a menina já havia se levantado, arrumara a casa e saíra para uma caminhada. Trancara a porta supondo, em seu esquecimento, que o pai ainda estivesse no povoado.
Então o lenhador pensou consigo:

»Já é tarde demais para ir ao povoado. Portanto, voltarei às montanhas e cortarei um outro grande feixe de lenha, que trarei para casa e, assim, levarei ao mercado amanhã uma carga dobrada.«

Durante todo aquele dia o velho homem trabalhou arduamente nas montanhas, cortando e enfeixando lenha. Já era noite quando chegou em casa com a lenha nos ombros. Depositou o fardo atrás da casa, bateu à porta e disse:

»Filha, filha, abra a porta pois estou cansado e não comi nada o dia inteiro. Tenho dupla carga de lenha que espero levar amanhã ao mercado. Preciso dormir bem esta noite para recuperar as forças.«

Mas não houve resposta. A menina estava com muito sono ao chegar em casa. Havia preparado sua comida e se deitara. A princípio ficara preocupada com a ausência do pai, mas logo concluiu que ele tinha resolvido passar a noite no povoado.

O lenhador, cansado, faminto e com sede, vendo que não podia entrar em casa, deitou-se mais uma vez ao lado dos fardos de lenha e adormeceu profundamente. Embora preocupado com o que pudesse ter acontecido à sua filha, não conseguiu manter-se acordado.

Na manhã seguinte, devido ao frio, à fome e ao cansaço, o lenhador acordou muito cedo, antes mesmo do dia clarear. Sentou-se e olhou à sua volta, mas não podia ver nada. Aconteceu então uma coisa estranha. O lenhador pensou ouvir uma voz que dizia:

»Depressa! Depressa! Deixa a tua lenha e vem por aqui. Se necessitas muito e desejas o suficiente, terás um alimento delicioso.«

O lenhador se levantou e caminhou em direção à voz. Andou e andou, mas nada encontrou. Já então sentia mais frio, fome e cansaço do que nunca e estava perdido. Estivera cheio de esperança, mas isto não parecia tê-lo ajudado. Ficou triste e sentiu vontade de chorar. Mas percebeu que chorar em nada o ajudaria. Então deitou-se e adormeceu. Logo acordou novamente, pois fazia muito frio e ele sentia demasiada fome para poder dormir. Decidiu então narrar para si mesmo, como se fosse um conto, tudo o que lhe acontecera desde que a filha lhe dissera que desejava um tipo de comida diferente. Assim que terminou sua história, pensou ouvir outra voz, vinda de cima, como se estivesse saindo do amanhecer que dizia:

»Velho homem, que fazes ai sentado?«

»Estou me contando minha própria história« respondeu o lenhador.

»E como é?« perguntou a voz.

O velho repetiu sua narração.

»Muito bem« disse a voz. E então recomendou ao velho lenhador que fechasse os olhos e subisse, como se houvesse um degrau.

»Mas não vejo degrau nenhum« retrucou o velho.

»Não importa. Faça como te digo« ordenou a voz.

O velho fez o que lhe era indicado. Assim que fechou os olhos, encontrou-se de pé, ao levantar o pé direito, sentiu que sob ele havia alguma coisa como um degrau. Começou a subir o que parecia ser uma escada. De repente a escada começou a se mover muito rapidamente, e a voz disse:

»Não abra os olhos até que eu te indique.«

Quase em seguida, a voz mandou que o velho abrisse os olhos. Ao fazê-lo, viu que se encontrava em um lugar que parecia um deserto, com o sol queimante sobre sua cabeça. Estava rodeado por montes e montes de pequenas pedras de todas as cores: vermelhas, verdes, azuis e brancas. Parecia-lhe estar sozinho. Olhou em volta e não viu ninguém. Mas a voz recomeçou a falar.

»Pega tantas pedras quanto puderes« disse »fecha os olhos e desce novamente os degraus.«

O lenhador fez como lhe foi dito. E, quando a voz ordenou que abrisse novamente os olhos, encontrou-se diante da porta de sua própria casa. Bateu à porta e sua filha atendeu. Ela lhe perguntou onde havia estado, e o pai lhe contou o que acontecera, embora a menina mal pudesse entender o que ele dizia, pois tudo lhe parecia muito confuso. Entraram em casa e compartilharam o último alimento que tinham: um punhado de tâmaras secas. Quando terminaram, o velho pensou ouvir uma voz que novamente lhe falava, uma voz exatamente igual àquela que o mandara subir os degraus.

A voz disse:

»Embora não o saibas, foste salvo por Mushkil Gusha. Lembra-te de que Mushkil Gusha está sempre aqui. Assegura-te de que todas as quintas-feiras à noite comerás algumas tâmaras e darás outras a alguma pessoa necessitada, a quem contarás a história de Mushkil Gusha. Ou dê um presente em nome de Mushkil Gusha a alguém que ajude aos necessitados. Faça com que a história de Mushkil Gusha nunca seja esquecida. Se assim o fizeres e se o mesmo for feito por aqueles a quem contares esta história as pessoas que tiverem verdadeira necessidade encontrarão seu caminho.«

O lenhador colocou todas as pedras que trouxera num canto de sua pequena casa. Pareciam muito com simples pedras e ele não soube o que fazer com elas. No dia seguinte levou seus dois enormes feixes de lenha ao mercado e os vendeu facilmente por ótimo preço. Ao voltar para casa, levou para sua filha toda espécie de deliciosas iguarias que ela até então jamais havia provado. E quando acabaram de comer, o velho lenhador falou:

»Agora vou lhe contar toda história de Mushkil Gusha. Mushkil Gusha é o dissipador de todas as dificuldades. Nossas dificuldades foram dissipadas por Mushkil Gusha e devemos sempre lembrar-nos sempre.«

Durante quase uma semana , o velho homem continuou como de costume. Ia às montanhas, trazia lenha, comia alguma coisa, levava a lenha ao mercado e a vendia. Sempre encontrava comprador, sem dificuldades.

Chegou então a quinta feira seguinte e, como é comum entre os homens, o lenhador se esqueceu de repetir a história de Mushkil Gusha. Nessa noite, já tarde, apagou-se o fogo na casa dos vizinhos do lenhador. Os vizinhos não tinham nada com que reacender o fogo. Foram à casa do lenhador e disseram:

»Vizinho, vizinho, por favor dê-nos fogo dessas suas maravilhosas lamparinas que vemos brilhar através da janela.«

»Que lamparinas?« perguntou o lenhador.

»Venha aqui fora e verás« responderam os vizinhos.

Então o lenhador saiu e viu, realmente, quantidade de luzes que, vindas de dentro, brilhavam através de sua janela. Voltou para dentro de sua casa e viu que a luz irradiava do monte de pedras que ele colocara em um canto. Mas os raios de luz eram frios e era impossível usá-los para acender fogo. Tornou então a sair e disse:
»Sinto muito, vizinhos, mas não tenho fogo!« - e bateu lhes a porta na cara.
Os vizinhos ficaram aborrecidos e confusos e voltaram para casa resmungando. Mas aqui eles abandonam nossa história. Rapidamente o lenhador e sua filha cobriram as brilhantes luzes com quantos panos encontraram, com medo de que alguém visse o tesouro que possuíam.

Na manhã seguinte, ao retirarem os panos, descobriram que as pedras eram gemas preciosas e luminosas. Levaram-nas, uma por uma, aos povoados vizinhos, onde as venderam por muito bom preço. O lenhador decidiu, então, construir um esplêndido palácio para ele e sua filha.

Escolheram um lugar justamente em frente ao castelo do rei de seu país. Em muito pouco tempo um magnífico edifício havia tomado forma.
Esse rei tinha uma linda filha que, um dia ao levantar-se de manhã, viu um castelo que parecia de contos de fadas bem em frente ao de seu pai, e ficou muito surpresa. Perguntou a seus servos:

»Quem construiu esse castelo? Que direito tem essa gente de fazer tal coisa tão perto de nossa moradia?«

Os criados saíram e foram investigar. Voltaram e contaram à princesa a história, até onde eles conseguiram averiguar. A princesa mandou chamar a filha do lenhador, pois estava muita zangada com ela mas, quando as duas meninas se conheceram e conversaram, logo se tornaram grandes amigas. Começaram a encontrar-se todos os dias e iam nadar e brincar no regato que fora construído para a princesa por seu pai.

Alguns dias depois do primeiro encontro, a princesa tirou do pescoço um lindo e valioso colar e pendurou-o em uma árvore bem à margem do regato. Esqueceu-se de apanhá-lo ao sair da água e ao chegar em casa, supôs que o tinha perdido. Repensando um pouco, a princesa convenceu-se de que a filha do lenhador havia roubado seu colar. Contou então ao seu pai, que mandou prender o lenhador, confiscou-lhe o castelo e todos os bens que o lenhador possuía. O velho homem foi posto na prisão e sua filha foi internada num orfanato.

Como era costume naquele país, depois de certo tempo, o lenhador foi retirado do calabouço e levado para praça pública, acorrentado a um poste, com um cartaz dependurado no pescoço. No cartaz estava escrito: »Isto é o que acontece àqueles que roubam dos Reis.«

A princípio as pessoas se juntavam em volta dele escarnecendo e atirando-lhe coisas. Ele se sentia muito infeliz. Logo porém, como é comum entre os homens, todos se acostumaram a ver o velho ali sentado junto ao poste e quase nem reparavam nele. Ás vezes atiravam-lhe restos de comida e às vezes nem isso faziam.

Um dia ele ouviu alguém dizer que era tarde de quinta feira. De súbito veio-lhe à mente o pensamento de que logo seria a noite de Mushkil Gusha, o Dissipador de Todas as Dificuldades, de quem ele havia esquecido de comemorar já fazia muito tempo. No mesmo instante em que este pensamento lhe chegou à mente, um homem caridoso que por ali passava, atirou-lhe uma pequena moeda. O lenhador chamou-o:
»Generoso amigo, você me deu dinheiro, que para nada me serve. Se, no entanto, sua generosidade for tanta para comprar uma ou duas tâmaras e vir sentar-se para comê-las comigo, eu lhe ficaria eternamente grato.«

O homem foi e comprou algumas tâmaras. Sentaram-se e comeram-nas juntos. Quando terminaram, o lenhador contou-lhe a história de Mushkil Gusha.
»Acho que você deve estar louco« disse o homem generoso.
Mas era uma pessoa bondosa que, por sua vez, enfrentava muitas dificuldades. Ao chegar em casa, naquela noite, verificou que todos os seus problemas haviam desaparecido. E isto fez com que começasse a pensar muito a respeito de Mushkil Gusha, mas aqui ele abandona nossa história.

Logo na manhã seguinte, a princesa voltou ao lugar onde se banhava. Quando ia entrar na água, viu algo que parecia ser o seu colar deitado no fundo do regato. No momento em que ia mergulhar para tentar recuperá-lo, espirrou, voltando sua cabeça para trás, viu então que o que tomara por seu colar era apenas seu reflexo na água. O colar estava pendurado no galho de árvore, onde o deixara havia muito tempo. Apanhando o colar a princesa correu à presença de seu pai e contou-lhe o que acontecera. O rei ordenou que o lenhador fosse colocado em liberdade e que lhe fossem apresentadas desculpas públicas. A menina foi trazida do orfanato e todos viveram felizes para sempre.

Estes são alguns dos incidentes da história de Mushkil Gusha. É um conto muito longo e que nunca termina. Tem muitas formas e algumas nem mesmo são chamadas de história de Mushkil Gusha e, por esse motivo, as pessoas não a reconhecem. Mas, é por causa de Mushkil Gusha que sua história, em qualquer de suas formas, é lembrada por alguém, em algum lugar do mundo, dia e noite, onde quer que haja pessoas. Assim como sua história tem sempre sido contada, continuará o sendo para sempre.
Você quer repetir a história de Mushkil Gusha nas noites de quinta-feira e assim ajudar ao trabalho de Mushkil Gusha?

A Princesa Obstinada

Um certo rei acreditava que o correto era o que lhe haviam ensinado e aquilo que pensava. Sob muitos aspectos era um homem justo, mas também uma pessoa de idéias limitadas.
Um dia reuniu suas três filhas e lhes disse:
- Tudo o que tenho é de vocês, ou será no futuro. Por meu intermédio vieram a este mundo. Minha vontade é o que determina o futuro de vocês três, e portanto o seu destino.
Obedientes e persuadidas da verdade enunciada pelo pai, duas das moças concordaram. Mas a terceira retrucou:
- Embora a minha posição me obrigue a acatar as leis, não posso acreditar que meu destino deva ser sempre determinado por suas opiniões.
- Isto é o que veremos – disse o rei.
Ordenou que prendessem a jovem numa pequena cela, onde ela pensou durante alguns anos. Enquanto isso o rei e suas duas filhas submissas dilapidaram bem depressa as riquezas que de outro modo também seriam gastas com a princesa prisioneira.
O rei disse para si mesmo:
“Essa moça está encarcerada não por vontade própria, mas sim pela minha. Isto vem provar, de maneira cabal para qualquer mentalidade lógica, que é a minha vontade e não a dela que está determinado seu destino”.
Os habitantes do reino, inteirados da situação de sua princesa, comentaram:
- Ela deve ter feito ou dito algo realmente grave para que um monarca, no qual não descobrimos nenhuma falha, trate assim a sua própria filha, semente viva de seu sangue.
Mas ainda não haviam chegado ao ponto de sentir aa necessidade de contestar a pretensão do rei de se sempre justo e correto em todos os seus atos.
De tempos em tempos o rei ia visitar a moça. Conquanto pálida e debilitada pelo longo encarceramento, ela se obstinava em sua atitude.
Finalmente a paciência do rei chegou a seu derradeiro limite:
- Seu persistente desafio – disse à filha – só servirá para me aborrecer ainda mais, e aparentemente enfraquecerá meus direitos caso você permaneça em meus domínios. Eu poderia matá-la, mas sou magnânimo. Assim, me limitarei a desterrá-la para o destino que faz divisa com meu reino. É uma região inóspita, povoada somente por animais selvagens e proscritos excêntricos, incapazes de sobreviver em nossa sociedade racional. Ali logo descobrirá se pode levar outra existência diferente daquela vivida no seio de sua família; e se a encontrar, veremos se a preferirá à que conheceu aqui.
O decreto real foi prontamente acatado, e a princesa conduzida à fronteira do reino. A moça logo se encontrou num território selvagem e que guardava uma semelhança mínima com o ambiente protetor em que havia crescido. Mas bem depressa ela percebeu que uma caverna podia servir de casa, que nozes e frutas provinham tanto de árvores como de pratos de ouro, que o calor provinha do Sol. aquela região tinha um clima e uma maneira de existir próprios.
Depois de algum tempo ela já conseguira organizar sua vida tão bem que obtinha água de mananciais, legumes da terra cultivada e fogo de uma árvore que ardia sem chamas.
“Aqui”, murmurou para si própria a princesa desterrada, “há uma vida cujos elementos se integram, formando uma unidade, mas nem individual ou coletivamente obedecem às ordens de meu pai, o rei”.
Certo dia um viajante perdido, casualmente um homem muito rico e ilustre, encontrou a princesa exilada, enamorou-se dela e a levou para seu país, onde se casaram.
Passando algum tempo os dois decidiram voltar ao deserto, onde construíram uma enorme e próspera cidade. Ali, sua sabedoria, recursos próprios e sua fé se expandiram plenamente. Os ‘excêntricos” e outros banidos, muitos deles tidos como loucos, harmonizaram-se plena e proveitosamente com aquela existência de múltiplas facetas.
A cidade e a campina que a circundava se tornaram conhecidas em todo mundo. Em pouco tempo eclipsara amplamente em progresso e beleza o reino do pai da princesa obstinada.
Por decisão unânime da população local, a princesa e seu marido foram escolhidos como soberano daquele novo reino ideal.
Finalmente o pai da princesa obstinada resolveu conhecer de perto o estranho e misterioso lugar que brotara do antigo deserto, povoado, pelo menos em parte, por aquelas criaturas que ele e os que lhe faziam coro desprezavam.
Quando, de cabeça baixa, ele se acercou dos pés do trono onde o jovem casal estava sentado e ergueu seus olhos para encontrar os daquela soberana, cuja fama de justiça, prosperidade e discernimento supera em muito o seu renome, pôde captar as palavras murmuradas por sua filha:
- Como pode ver, pai, cada homem e cada mulher têm seu próprio destino e fazem sua própria escolha.

22 agosto 2009

Encontro com o diabo

Certo homem devoto, convencido de que era um sincero Buscador da verdade, submeteu-se a uma longa seqüência de disciplina e estudo.

Por um período considerável de tempo, teve muitas experiências, tanto em sua vida interior, como exterior, junto a vários mestres.

Um dia, meditando, viu subitamente o diabo sentado ao seu lado.

- Afasta-te, demônio - gritou -, não tens nenhum poder para me causar dano, pois estou seguindo o Caminho dos Eleitos. - A aparição se esfumou.

Um verdadeiro sábio que por ali passava, disse-lhe, com tristeza:

- Ah, meu amigo. Assentaste teus esforços sobre bases tão inseguras, tais como teu medo inalterado, tua avareza e tua auto-estima, que chegaste a tua última experiência possível.

- E por quê? - perguntou o buscador.
- Esse diabo é, na realidade, um anjo. Diabo é como tu o viste.

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extraído do livro Sufismo no Ocidente
Ed. Dervish, Brasil

14 junho 2009

Poesia de Rumi

Vem,
Te direi em segredo
Aonde leva esta dança.
Vê como as partículas do ar
E os grãos de areia do deserto
Giram desnorteados.
Cada átomo
Feliz ou miserável,
Gira apaixonado
Em torno do sol.
Ninguém fala para si mesmo em voz alta.
Já que todos somos um,
falemos desse outro modo.
Os pés e as mãos conhecem o desejo da alma
Fechemos pois a boca e conversemos através da alma
Só a alma conhece o destino de tudo, passo a passo.
Vem, se te interessas, posso mostrar-te.
Desde que chegaste ao mundo do ser,
uma escada foi posta diante de ti, para que escapasses.
Primeiro, foste mineral;
depois, te tornaste planta,
e mais tarde, animal.
Como pode isto ser segredo para ti?
Finalmente, foste feito homem,
com conhecimento, razão e fé.
Contempla teu corpo - um punhado de pó -
vê quão perfeito se tornou!
Quando tiveres cumprido tua jornada,
decerto hás de regressar como anjo;
depois disso, terás terminado de vez com a terra,
e tua estação há de ser o céu.
Não durmas,
senta com teus pares
A escuridão oculta a água da vida.
Não te apresses, vasculha o escuro.
Os viajantes noturnos estão plenos de luz;
não te afastes pois da companhia de teus pares.
Faltam-te pés para viajar?
Viaja dentro de ti mesmo,
e reflete, como a mina de rubis,
os raios de sol para fora de ti.
A viagem conduzirá a teu ser,
transmutará teu pó em ouro puro.
Sofreste em excesso
por tua ignorância,
carregaste teus trapos
para um lado e para outro,
agora fica aqui.
Na verdade, somos uma só alma, tu e eu.
Nos mostramos e nos escondemos tu em mim, eu em ti.
Eis aqui o sentido profundo de minha relação contigo,
Porque não existe, entre tu e eu, nem eu, nem tu.
Oh, dia, levanta! Os átomos dançam,
As almas, loucas de êxtase dançam.
A abóbada celeste, por causa deste Ser, dança,
Ao ouvido te direi aonde a leva sua dança.

Ontem à noite, confidencialmente, eu disse a um velho sábio:
- Não me esconda nada dos segredos do mundo!
Muito docemente, ele me disse ao ouvido:
- Podemos compreender, mas não exprimir!
Quero fugir a cem léguas da razão,
Quero da presença do bem e do mal me liberar.
Detrás do véu existe tanta beleza: lá está meu ser.
Quero me enamorar de mim mesmo, ó vós que não sabeis!
Eu soube enfim que o amor está ligado a mim.
E eu agarro esta cabeleira de mil tranças.
Embora ontem à noite eu estivesse bêbado da taça,
Hoje, eu sou tal, que a taça se embebeda de mim.
Ele chegou... Chegou aquele que nunca partiu;
Esta água nunca faltou a este riacho
Ele é a substância do almíscar e nós o seu perfume,
Alguma vez se viu o almíscar separado de seu cheiro?
Se busco meu coração, o encontro em teu quintal,
Se busco minha alma, não a vejo a não ser nos cachos de teu cabelo.
Se bebo água, quando estou sedento
Vejo na água o reflexo do teu rosto.
Sou medido, ao medir teu amor.
Sou levado, ao levar teu amor.
Não posso comer de dia nem dormir de noite.
Para ser teu amigo
Tornei-me meu próprio inimigo.
Teu amor me tirou de mim.
De ti, preciso de ti
Noite e dia, eu queimo por ti.
De ti, preciso de ti.
Não posso dormir quando estou contigo
por causa de teu amor.
Não posso dormir quando estou sem ti
por causa de meu pranto e gemidos.
Passo as duas noites acordado
mas, que diferença entre uma e outra!
Não temos nada além do amor.
Não temos antes, princípio nem fim.
A alma grita e geme dentro de nós:
- Louco, é assim o amor.
Colhe-me, colhe-me, colhe-me!

À noite, pedi a um velho sábio
que me contasse todos os segredos do universo.
Ele murmurou lentamente em meu ouvido:
- Isto não se pode dizer, isto se aprende.
A fé da religião do Amor é diferente.
A embriaguez do vinho do Amor é diferente.
Tudo que aprendes na escola é diferente.
Tudo que aprendes do Amor é diferente.
- Vem ao jardim na primavera, disseste.
- Aqui estão todas as belezas, o vinho e a luz.
Que posso fazer com tudo isso sem ti?
E, se estás aqui, para que preciso disso?

12 junho 2009

O jovem que não conhecia o medo

Certo dia, uma mulher e seu filho tomavam ar fresco ao cair da tarde, sentados no pátio de sua casa. A casa ficava muito distante do povoado, e quando o sol se pôs e a escuridão da noite envolveu tudo em suas sombras, a mulher disse ao jovem:

- Meu filho, vá e feche a porta, pois estou com medo.

- O que é o medo? – Perguntou o rapaz.

- Ora sentir temor – ela respondeu.

Mas a resposta de sua mãe não deixou o jovem satisfeito.

- Não sei o que você quer dizer, mãe. Tenho de experimentar o medo. Vou dar um passeio.

E sem prestar muita atenção aos protestos de sua mãe, adentrou-se na noite, afastando-se da casa. Caminhou até o sopé de uma montanha, onde mais de trinta ladrões se encontravam sentados em volta de uma grande fogueira. O jovem aproximou-se deles e um dos bandidos, que parecia ser o capitão, falou:

- Nem mesmo um pássaro se aventura a voar para esses lados, e nenhuma caravana cruza este caminho. Como você se atreve a aproximar-se de nós?

- Pretendo conhecer o medo. Mostrem-no a mim.

- O medo está aqui, conosco – disse o ladrão.

- Onde? – Perguntou o rapaz.

Então, o ladrão respondeu:

- Pegue este pote, farinha, manteiga e açúcar. Entre nesse cemitério e celebre uma festa com os defuntos.

- Assim farei – respondeu o jovem.

No cemitério acendeu uma fogueira e começou a misturar a farinha, a manteiga e o açúcar. Quando havia terminado, uma enorme mão saiu da terra e fez-se ouvir uma voz:

- Quem é o atrevido?

O rapaz golpeou a mão com sua colher e respondeu:

- Eu que vim celebrar minha festa com os mortos. Volte para onde está teu pé. Agora desapareça!

Ao ouvir esta ofensa, a mão desapareceu e o rapaz, que terminara sua mistura, voltou para perto dos ladrões.

- Então, conheceste o medo? – Perguntaram os ladrões entre risadas.

- Não. Houve apenas uma mão que saiu da terra, pelo visto queria provar a minha sopa; mas levou uma colherada e voltou para o lugar de onde veio.

Os ladrões ficaram assombrados e um deles disse:

- Não muito longe daqui há um casarão abandonado; ali, sem dúvida sentirás medo.

O jovem foi até a casa e entrou; encontrou-se então em um enorme salão completamente vazio e viu, pendurado no teto, um cesto em que havia uma criança chorando. De repente surgiu da escuridão uma jovem, dando voltas nervosamente e olhando com desespero para o cesto pendurado. A donzela aproximou-se do jovem e disse:

- Levanta-me nos seus ombros. A criança está chorando e eu quero niná-lo, mas o cesto está tão alto que assim não o alcançarei.

Ele concordou e a moça se sentou sobre seus ombros. Enquanto balançava a criança, a jovem apertava com os joelhos o pescoço do rapaz. Ele sentiu que ia morrer estrangulado, então deu um salto e a mulher desapareceu, deixando cair no chão um bracelete. O jovem pegou-o e se afastou da casa.

Ao atravessar a rua, um velho judeu que viu o bracelete aproximou-se dele dizendo:

- Este bracelete é meu.

- Não, não é. O bracelete pertence a mim.

O judeu insistiu:

- Ele é minha propriedade.

- Pois vamos até o juiz. Se ele disser que é seu lhe darei. Senão ficarei com ele.

Quando expuseram o caso ao juiz, este setenciou:

- O bracelete será daquele que prove ser seu dono.

Nenhum dos dois pôde fazê-lo, e o juiz guardou a jóia até que comprovassem a quem pertencia.

O rapaz não se esquecera de que havia saído em busca do medo, e que nada do que havia acontecido o fizera senti-lo. Depois de muito caminhar, chegou a uma praia onde viu um barco que naufragava, e gritou:

- Vocês tem medo de se afogar?

E uma voz lhe respondeu:

- Claro que temos medo, como não iriamos ter medo, se estamos a ponto de morrer?

Rapidamente, ele tirou suas roupas e, atirando-se ao mar, nadou até chegar a embarcação.

Outra voz lhe disse:

- Estamos naufragando, como podes perguntar se temos medo?

O jovem amarrou um cabo na cintura e descendeu até às profundezas do oceano. Ali descobriu que a filha do mar estava puxando o barco. Amarrou-a com o cabo e trouxe-a para fora d’água. Chegando à superfície, perguntou-lhe em tom desafiante:

- É isto o medo?

E soltou-a,virando as costas e afastando-se de novo em busca do medo.

Caminhou pela costa e descobriu um grande jardim em frente ao qual havia uma fonte. Três pombos que saltitavam ao seu redor submergiram n’água e ao voltar a sair se converteram em três donzelas que traziam uma mesa com taças para beber. Quando uma delas se dispôs a brindar, as outras duas lhe perguntaram:

- À saúde de quem bebes?

Ela respondeu:

- Bebo a saúde daquele que celebrou sua festa entre os defuntos e não desmaiou quando saiu uma mão da terra.

Quando a segunda ia beber, as outras perguntaram o mesmo, e ela respondeu:

- À saúde daquele que não teve  medo de morrer estrangulado.

Por último, a terceira levantou sua taça e respondeu à pergunta das outras:

- No mar naufragava um barco; um jovem aprisionou a donzela que era culpada e não tremeu. À sua saúde bebo.

O rapaz resolveu falar:

- Eu sou esse jovem.

As donzelas o abraçaram e ele continuou:

- O juiz conserva o bracelete que caiu do braço de uma de vocês. Um velho judeu quis tirá-lo de mim, mas não permiti.

As jovens pegaram sua mão e desceram com ele a uma cova onde havia vários pátios, e em cada pátio uma infinidade de jóias dentro de caixas. Uma das donzelas disse:

- Tome este outro bracelete. Como é igual ao que está com o juiz, podes comprovar que os dois são teus.

Assim fez o rapaz e voltou com os dois braceletes à caverna.

- Não saias nunca do nosso lado! – disseram as donzelas.

- Sinto muito, mas não posso ficar enquanto não saiba o que é o medo.

E despedindo-se delas, seguiu seu caminho.

Logo chegou a um lugar onde se aglomerava uma multidão.

- O que está acontecendo? – perguntou o jovem.

Responderam-lhe que como havia morrido o rei daquele país, iam escolher um sucessor. Para a eleição, soltariam uma pomba que pousaria sobre a cabeça daquele designado pelos céus.

E quando soltaram a pomba, esta foi pousar na cabeça do jovem que não conhecia o medo. Como ele não se considerava digno de aceitar tal honra, soltaram uma nova pomba que, como na vez anterior, pousou na cabeça do jovem. Então o povo começou a gritar: “Você é nosso rei!”.

- Mas se estou em busca do medo! Não posso ser rei! – dizia enquanto era arrastado pela multidão para o palácio.

Finalmente, da janela da sala do trono disse a multidão:

- Aceito ser rei por esta noite, mas amanhã partirei em busca do medo.

Atravessando os aposentos do palácio, chegou a uma sala onde viu alguns homens construindo uma caixão e esquentando água.

Quando terminaram seu trabalho, ele resolveu que dormiria naquele aposento. Encostou o caixão na parede, apagou o fogo com água e começou a dormir.

Quando, de manhã, os homens entraram esperando encontrar o novo rei morto e viram que gozava de perfeita saúde, foram contá-lo a sua sultana, que lhes disse:

- Quando chegar a noite e estiver jantando comigo, coloquem um pardal vivo dentro da sopeira.

Enquanto jantavam, a sultana disse ao rei:

- Levante a tampa da sopeira.

- Não, porque não quero sopa – respondeu.

- Mas eu quero, faça-me este favor.

Tão logo o jovem levantou a tampa, o pássaro saiu voando. Foi tão inesperado o incidente que o rapaz sentiu um fugaz calafrio.

-Viu isto que você acaba de sentir? – disse a sultana. – Pois isso é o medo.

- É só isso? – Perguntou o jovem.

- Você agora já tremeu uma vez, que era o que buscava conseguir; o tremor será maior ou menor, mas já poderá conhecê-lo se voltar a senti-lo – respondeu ela.

Durante quarenta dias, celebrou-se o casamento entre a sultana e o jovem, e este governou com justiça durante muitos anos.

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15 abril 2009

A Historia de Hatim Tai

Há muito tempo, na antiga Arábia, viveu um nobre e generoso governante tribal chamado Hatim Tai.

Ele era o chefe de inúmeras tendas, pois naqueles tempos as tribos da Arábia vagavam pelas pastagens com os seus rebanhos e muitas eram as que pediam sua proteção. Suas terras e riquezas eram imensas.

Ora, como o numero de tribos sob a proteção de Hatim Tai era cada vez maior, o Rei da Arábia começou a sentir ciúmes da sua reputação de grande senhor tribal.

- Como esse Hatim Tai ousa ter pretensões de ser um líder de Homem? – disse o rei. – Todos falam como se ele fosse ainda mais poderoso do que eu! Sua bondade, sua generosidade, sua eqüidade parecem um modelo de todas as virtudes. Estou cansado de ouvir falar a seu respeito. Acho uma traição sua maneira de conquistar o meu povo e congregá-lo à sua volta.

Certamente que é, ó Rei – disse o vizir, que era um sujeito um tanto hipócrita. – Vossa Majestade está certo como sempre. Devem ser dadas ordens para que ele seja decapitado?

- Não, não – disse o rei. – Ele deve morrer em batalha.
Diga ao chefe do exercito que nós marchamos contra as tendas de Hatim Tai assim que for possível reunir todos os soldados de meu reino. Breve veremos quem é o mais poderoso, se Hatim Tai ou eu.

Ora, os preparativos já estavam em andamento há alguns dias, com as tropas se concentrando para a batalha, quando essas noticias chegaram até Hatim Tai.

Certa manhã, quando ele tomava uma xícara de café do lado de fora de sua tenda, um membro de suas tribos puxou o seu manto e exclamou:
- O Rei de Toda a Arábia, ciumento de teu poder no país declarou guerra contra tuas tendas, oh, Hatim Tai! Arma os homens das tribos e responde ao ataque!

- Se o Rei da Arábia me odeia – disse Hatim Tai, - isto nada tem a ver com os membros das minhas tribos. Por que eles deveriam perder as suas vidas, causando sofrimento às suas viúvas, somente porque um homem é invejado por outro?
Partirei e me esconderei nas colinas até que a situação mude.
O Rei acabará me esquecendo, e talvez um dia eu possa retornar.

- Nós devemos levantar acampamento hoje mesmo – disseram os anciãos da tribo – e viajaremos até outras pastagens, pois se Hatim Tai não deseja que lutemos nós não o faremos.

Então, enquanto as mulheres e as crianças empacotavam os utensílios de cozinha e os panos, os homens desarmaram as tendas. Eles tocaram os camelos e os rebanhos para o deserto, à procura de um lugar para acamparem.

Quando soube que Hatim Tai havia fugido e que as suas tribos haviam se dispersado, o Rei da Arábia ficou furioso e disse:
- Que covarde esse famoso e generoso homem deve ser!
Mal ouviu falar que o meu exercito estava pronto para atacá-lo, ele fugiu como um rato do deserto, mostrando que homem fraco na verdade ele é. Agora o povo será capaz de perceber o quanto o seu líder realmente vale.

- Ó Grande Rei da Arábia – disse o vizir, - deixe-me enviar soldados em todas as direções à procura de Hatim Tai, pos a sua traição continua sendo uma ofensa que merece punição. Faça também com que seja oferecida uma recompensa pela sua cabeça, pois ele é um inimigo de Vossa Majestade e merece ter morte desonrada.

- Excelente! – disse o rei. – Faça com que uma proclamação seja lida nos mercados e nas praças, em todos os lugares onde as pessoas se reúnam: mil peças de ouro serão dadas ao homem que trouxer até o juiz.

E assim todas as riquezas de Hatim Tai foram confiscadas.
Havia muitas pessoas no país que sabiam onde Hatim Tai estava escondido, mas nenhum denunciou aos soldados que o procuravam. Para quase todo mundo Hatim Tai era uma lenda, e ele continua livre ainda por muito tempo. Secretamente, o povo enviava-lhe comida e roupas para o seu esconderijo nas montanhas, e assim ele não morreu de fome.

Nessa região deserta, um velho e sua mulher viviam de apanhar lenha para fazer carvão. Um dia eles chegaram perto do lugar onde Hatim Tai também estava recolhendo alguns galhos para o seu fogo. Ao ouvi-los conversando ele se escondeu atrás de uma rocha.

- Se, pela misericórdia de Deus, nós pudéssemos ao menos encontrar Hatim Tai não seria maravilhoso? Assim poderíamos ir até o rei e receber as mil peças de ouro – disse a velha mulher enquanto se curvava para apanhar um galho.

- Silencio mulher! Nunca digas uma coisa destas nem que vivas cem anos. Como poderíamos entregar Hatim Tai ao rei?
Nem vinte mil peças de ouro seriam suficiente para que fizéssemos uma coisa tão ruim! É nosso destino sermos carvoeiros, e Allah não nos abandonará se permanecermos no caminho reto.

Resmungando um pouco, a velha curvou-se novamente, e nesse momento Hatim Tai saiu de trás da rocha, dizendo:
- Deus te ouviu hoje. Eu sou Hatim Tai. Leve-me até o rei e te tornarás rico com as mil peças de ouro.
-Oh, não, generoso Hatim Tai – disse o velho chorando.
- Nunca penses isto de nós, pois foi apenas um impulso malvado que Íblis, o Perverso, colocou na mente de minha esposa. Vender-te para teu inimigo em troca de ouro? Que Allah possa ser meu juiz. Não serei eu o causador de tua morte dessa maneira.

Hatim Tai então respondeu:
- Vamos, leva-me, pois se a minha vida puder beneficiar-te e a tua esposa, trazendo tranqüilidade ao resto dos vossos dias, eu ficarei feliz. Que utilidade tenho eu para quem quer que seja vivendo aqui nesta caverna como um animal encurralado?

Mas, enquanto o velho protestava, um destacamento de soldados chegou silenciosamente e escutou tudo o que foi dito.
Eles ouviram Hatim Tai e viram quem ele era. Antes que ele pudesse compreender o que acontecia, os soldados o agarraram e levaram-no. O pobre carvoeiro e sua esposa os seguiram sem saber o que dizer:

O rei apareceu, e vendo a grande multidão que se reunira no pátio perguntou ao vizir:
- O que está acontecendo? Por que todo este barulho e gritaria?
- Vossa Majestade – disse o vizir, - eles encontraram o traidor, Hatim Tai, e finalmente o trouxeram frente ao juiz.

- Quem o encontrou? E onde? – perguntou o rei.
Nesse momento todos os soldados começaram a gritar, cada um reivindicando para si próprio a façanha, até que o rei levantou sua mão fazendo-os calar, dizendo:

- Não é possível que todos vocês ganhem mil peças de ouro. Apenas um deve tê-lo encontrado, e a essa pessoa eu darei a recompensa.
Hatim Tai então falou:
- Ó Rei da Arábia, quem me encontrou foi este velho carvoeiro. Dê-lhe o ouro, pois sua necessidade é muito maior do que a desses soldados, que apenas trouxeram-me até aqui.

- Vossa Majestade – exclamou o velho, - eu vos peço, escutai a verdade. Foi o próprio Hatim Tai quem veio até nos e nos disse que o levássemos, pois assim poderíamos receber o dinheiro. Ele ouviu minha mulher falar, enquanto recolhíamos madeira, que as mil peças de ouro no permitiriam viver com fartura pelo resto de nossos dias. Enquanto nós protestávamos é que estes soldados apareceram e capturaram Hatim Tai, pois ele havia se descuidado de vigiar sua própria segurança.

Ao escutar esta historia o coração do Rei da Arábia foi tocado, e ele percebeu que Hatim Tai era realmente tão generoso quanto a lenda dizia. Ele ficou envergonhado e fez um sinal para que os soldados soltassem os braços de Hatim Tai.

- Deixem-no partir em paz – ele disse – e voltar às tendas de seu povo, pois sem sombra de duvida ficou provado que Hatim Tai é o mais nobre de todos os homens que vivem em nosso reino.

Hatim Tai permaneceu por um instante na frente do rei, e então deu graças a Allah por Sua misericórdia naquele dia. O rei ordenou que mil peças de ouro fossem dadas ao velho casal e devolveu a Hatim Tai todas as suas riquezas.

Quando a noticia de que seu chefe estava novamente livre chegou às tribos, um grande numero de pessoas voltou para acompanhá-lo até o seu novo território. E o Rei da Arábia deixou Hatim Tai e o seu povo livres para sempre.

13 abril 2009

A Farmácia cósmica de Nasrudin

Nasrudin estava desempregado. Perguntou, então, a alguns amigos que tipo de profissão deveria seguir.
"Bem, Nasrudin," disseram, "você é muito capaz e conhece bastante as propriedades medicinais das ervas. Poderia abrir uma farmácia."
Nasrudin foi para casa, pensou e disse para si mesmo: "sim, acho que é uma boa idéia. Acho que sou capaz de fazer isso."
Naturalmente, sendo Nasrudin, nessa ocasião em particular passava por um de seus momentos de desejar ser proeminente e importante. Assim, pensou: "Não abrirei apenas uma loja de ervas ou uma farmácia que lide com ervas; abrirei algo grandioso e que cause um forte impacto".
Comprou uma loja, instalou prateleiras e armários e quando chegou a hora de pintar a fachada, montou um andaime, cobriu-o com chapas e trabalhou atrás delas. Não deixou que ninguém visse o nome que daria à farmácia ou como a fachada estava sendo pintada.
Após vários dias, distribuiu folhetos que diziam: "Grande inauguração, amanhã às nove horas".
Todos de sua aldeia e das aldeias vizinhas vieram e ficaram esperando em frente à nova loja. Às nove horas, Nasrudin apareceu, retirou a placa da frente e lá estava um enorme cartaz onde se lia: "Farmácia Cósmica e Galáctica de Nasrudin" e abaixo estava escrito: "Influenciada e harmonizada com influências planetárias".
Muita gente ficou impressionada e ele fez um ótimo negócio naquele dia.
Ao anoitecer, um professor local aproximou-se de Nasrudin e lhe disse: "Francamente, essas alegações que você faz são um pouco duvidosas".
"Não, não", respondeu Nasrudin, "cada alegação que faço sobre influência planetária é absolutamente correta. Quando o sol se levanta, abro a farmácia e quando o sol se põe, eu fecho."
Portanto, podem haver diferentes interpretações sobre quanto a influência planetária afeta alguém e sobre o quanto dessas influências alguém recebe ou usa.

Extraído do livro: Histórias da Tradição Sufi

A donzela que era mais sábia que o Czar

Era uma vez um homem pobre que tinha uma única filha.
Essa jovem era surpreendentemente sábia; parecia possuir uma compreensão muito acima do que seria de se esperar na sua idade e freqüentemente dizia coisas que espantavam a seu próprio pai.
Um dia, quando estava sem um centavo, esse homem foi visitar o czar, para pedir ajuda.
O czar ficou atônito ao ver a forma refinada com que o homem falava, e perguntou-lhe onde havia aprendido aquelas frases.
- Com minha filha – respondeu o homem.
- Sim, mas onde a sua filha aprendeu? – perguntou o czar.
- Deus e nossa pobreza a tornaram sábia – foi a resposta.
- Aqui está algum dinheiro para as suas necessidades imediatas – disse o czar, - e trinta ovos, para que você peça à sua filha, em meu nome, para que os ponha a chocar para mim. Se ela o fizer com êxito darei a vocês ricos presentes. Caso ela não o consiga, você será torturado.
O homem voltou para casa e deu os ovos para sua filha, que os examinou, pesando um ou dois em suas mãos, e assim ela se deu conta de que eram ovos cozidos. Disse ao pai:
- Pai, espere até amanhã. Talvez eu descubra o que se pode fazer.
No dia seguinte ela acordou bem cedo e, tendo pensado uma solução, ferveu algumas sementes. Colocou-as dentro de uma pequena bolsa e deu-a a seu pai, dizendo:
- Vá com o arado e os bois, pai, e comece a arar ao lado do caminho por onde o czar passa quando está indo à igreja.
No momento que o czar puser sua cabeça para fora da janela da carruagem você deve gritar: ‘Vamos, bravos bois, arem a terra para que estas sementes cozidas cresçam bastante’!
O pai fez o que sua filha havia dito, e, conforme a previsão dela, o czar olhou o homem trabalhando pela janela da carruagem. Quando escutou o que ele gritava, disse:
- Homem estúpido, como você pode esperar que sementes cozidas produzam algo?
O homem, prevenido pela sua filha, gritou:
- Da mesma forma como ovos cozidos produzem pintos!
O czar então seguiu o seu caminho, sabendo que a jovem havia sido mais esperta do que ele.
Porém as coisas não terminariam assim...
No dia seguinte o czar enviou fio de linho enrolado e embaraçado à casa do homem. O mensageiro disse:
- Este linho deve ser usado para fazer velas para o barco do meu senhor, e isto deve ser feito até amanhã. Caso contrário você será executado.
Chorando o homem entrou em casa, mas sua filha lhe disse:
- Não tenha medo pai, pensarei em uma solução.
Na manhã seguinte ela se dirigiu a seu pai e entregou-lhe um pedaço de madeira, dizendo:
- Diga ao czar que se ele puder fazer todos os instrumentos necessários para fiar e tecer deste pedaço de madeira, eu farei o tecido para as velas com este linho.
O homem fez conforme a sua filha havia indicado, e o czar ficou ainda mais impressionado com a resposta da jovem. No entanto ele pôs uma pequena taça na mão do homem e disse:
- Vá, leve esta taça para sua filha e peça-lhe para esvaziar o mar com ela, porque assim poderei aumentar meus domínios com novas pastagens.
- O homem voltou para casa e deu a taça à filha, dizendo-lhe que o governante havia pedido novamente algo impossível de ser feito.
- Vá se deitar – disse ela. – Pensarei em algo, concentrando minha mente nisto toda a noite.
Ao amanhecer chamou o pai e disse:
- Diga ao czar que se ele puder represar todos os rios do mundo com este pedaço de estopa, então esvaziarei o mar par ele.
O pai voltou ao palácio e contou a czar o que a sua filha dissera.o czar reconhecendo que ela era mais sábia do que ele, pediu que ela fosse enviada à corte imediatamente. Quando ela se apresentou, ele lhe perguntou:
- O que é que pode ser ouvido a uma grande distância?
Sem vacilar, ela respondeu imediatamente:
- Somente o trovão e a mentira podem ser ouvidos desde os pontos mais distantes, ó czar.
Antonio, o czar segurou sua própria barba, e virando-se para os cortesãos lhe perguntou:
- Quanto acham que vale a minha barba?
Todos começaram a calcular o que pensavam que a barba valia, dando-lhe preços cada vez mais altos para adular Sua Majestade. Então o czar perguntou à donzela:
- E você, minha criança, quanto você acha que vale a minha barba?
Os cortesãos aguardavam atentos a resposta:
- A barba de Vossa Majestade vale três chuvas de verão.
O czar muito surpreendido, disse:
- Você respondeu corretamente. Eu me casarei com você e farei de você minha esposa hoje mesmo.
E assim a jovem se tornou a czarina. Mas assim que as bodas terminaram ela disse ao czar:
- tenho um pedido para fazer. Conceda-me a graça, escrita com letra de sua própria mão, de que se você ou qualquer um da sua corte desgostar-se comigo, e eu tiver que partir, me será permitido levar comigo aquilo de que eu mais gostar.
Enquanto com a bela donzela, o czar pediu uma pena e um pergaminho e imediatamente escreveu, selando o documento com seu anel de rubi, tal como ela havia solicitado.
Os anos se passaram com muita felicidade para ambos. Um dia porém o czar teve uma acalorada discussão com a czarina e, irritado, ordenou:
- Vá embora! Desejo que deixe este palácio para nunca mais voltar.
- Então irei embora amanhã – disse a jovem czarina, obedientemente. – Permita-me somente passar a noite aqui para preparar meu regresso a casa.
O czar concordou e, antes de deitar-se, tornou a bebida de ervas que ela sempre preparava para ele. Assim que bebeu o czar caiu adormecido. A czarina levou-o para à carruagem real, e partiram para a cabana de seu pai.
Quando amanheceu o czar, que havia dormido tranqüilamente a noite inteira, despertou, olhando desconcertado ao seu redor.
- Traição! – gritou. – Onde estou e de quem sou prisioneiro?
- Meu, Vossa Majestade – respondeu a czarina docemente. – O documento escrito por sua própria mão está aqui.
Lhe mostrou o pergaminho onde ele havia escrito que se ela tivesse que sair do palácio poderia levar aquilo de que mais gostasse.
Quando o leu, o czar riu de coração, e declarou que seu afeto por ela ainda era o mesmo.
Ao que ela respondeu:
- Meu grande amor por você, ó czar, me fez assim tão audaciosa. Mas, se arrisquei minha vida, isso demonstra o quanto amo você.
E foi assim como eles se uniram novamente e viveram felizes para o resto de suas vidas.

Extraído do livro: Histórias da Tradição Sufi.

A Água do paraíso

Harith, o Beduíno, e sua esposa, Nafisa, indo de um lugar para outro, erguiam sua tenda esfarrapada onde quer que encontrassem tamareiras, ervas para alimentar seu camelo ou um poço se água salobra. Esta vinha sendo sua forma de vida por muitos anos, e Harith raramente variava sua rotina diária: caçando ratos para aproveitar-lhes a pele, traçando cordas de fibras de palma, que vendia aos caravaneiros que por ali passavam.
Um dia contudo surgiu um novo manancial no areal, e Harith levou um pouco daquela água aos lábios. Teve a impressão de estar provando a verdadeira água do paraíso, pois era muito menos suja do que aquela que estava acostumado a beber. A outra teria parecido desagradavelmente salgada.
- Devo levar isto à alguém que irá apreciá-lo – disse Harith.
E foi assim que partiu rumo a Bagdá, em busca do palácio de Harun el-Raschid, viajando sem deter-se a não ser para mastigar algumas tâmaras. Harith levou consigo dois odres de couro cheios daquela água: um para ele e outro para o califa.
Dias depois chegou a Bagdá, e se dirigiu logo ao palácio.
Ali os guardas ouviram sua história e, somente por ser esta a norma usual, deixaram-no participar da audiência publica de Harun el-Raschid.
- Comendador dos Crentes – disse então Harith, - eu sou um pobre beduíno e conheço todas as águas do deserto, embora sabia pouco acerca de outras coisas. Acabo de descobrir esta água do paraíso e, julgando-a uma oferenda digna de vós, vim logo oferecê-la.
Harun, o Íntegro, provou da água, e, como compreendia seu povo, ordenou aos guardas palacianos que levassem Harith e o mantivessem detido por algum tempo, até tornar conhecida sua decisão sobre aquele caso. Depois chamou o capitão da guarda e lhe disse:
- O que para nós não é nada, para ele é tudo. Portanto devem levá-lo desse palácio durante a noite. Não deixem que veja o poderoso rio Tigre. Escoltem-no até a sua tenda no deserto, sem permitir que prove água doce. Então dêem mil moedas de ouro a ele, juntamente com os meus agradecimentos por seu serviço. Digam-lhe que é o guardião da água do paraíso e que a distribua gratuitamente, em meu nome, a todos os viajantes.


Extraido do livro: Histórias da Tradição Sufi

05 abril 2009

A Mulher e o Ser Espiritual

Vejamos o velho conto da mulher e o ser espiritual.

Era uma vez uma pobre mulher que ajudou a um ser espiritual disfarçado, dando-lhe hospitalidade quando outras pessoas o haviam
botado para fora.

Quando se retirou da casa da mulher ele falou:

- Amanhã, procure realizar tua primeira tarefa durante o dia todo.

Ela pensou que era uma estranha forma de mostrar agradecimento, mas, em seguida esqueceu o assunto.

No dia seguinte um mercador trouxe para a mulher um pequeno carretel de fibra de ouro e pediu para que ela lhe bordasse uma capa, pois bordar era seu trabalho, quando conseguia ter algum.

Então ela desenrolou o fio de ouro e bordou a roupa.

Quando terminou, viu que tinha ainda mais fio de ouro no chão do que quando havia começado seu trabalho.

Quanto mais enrolava o fio de ouro numa bola, mais fio aparecia. Enrolou o dia inteiro e a noite tinha uma grande quantidade de ouro. Por tradição, o fio restante pertencia a bordadeira.

Vendeu este fio de ouro, e com o dinheiro pode reconstruir sua casa e mobiliá-la, assim como estabelecer-se com um bom negócio.

Como é natural, os vizinhos sentiram curiosidade, e ela lhes contou como havia mudado a sua sorte e como tudo tinha acontecido.

Algum tempo mais tarde, um mercador da mesma cidade viu e reconheceu o forasteiro com poderes mágicos do qual a mulher lhe falara e o convidou a sua loja e a sua casa. Mostrou para com o ser
espiritual uma grande hospitalidade, imitando a forma de agir das pessoas generosas, extremando inclusive suas atenções.


Pensava: “Espero que agora me toque algo a mim... E, por suposto, a todos os deste povo”. Agregou a segunda frase a seu pensamento porque, apesar de ser cobiçoso, imaginou que lembrando-se dos outros obteria algo para si, mas não obstante, estava imitando a caridade, porque não pensava que o bem dos outros equivalia a seu próprio bem, salvo com idéia posterior; mas para ele as coisas resultaram diferentes de como foram para a mulher caridosa.

Quando o forasteiro estava a ponto de partir o mercador lhe falou:

- Concede-me uma graça.

- Eu não faço tal coisa - disse o forasteiro - mas eu desejo que tua primeira preocupação de hoje dure para você toda uma semana.

O ser espiritual continuou seu caminho e o mercador se dirigiu à sua loja, aonde se propunha contar dinheiro e multiplicá-lo toda uma semana.

Ao atravessar seu próprio pátio, o mercador se deteve para beber água do poço. Tão pronto como subiu o primeiro balde cheio, se sentiu obrigado a extrair outro e mais outro e assim continuou durante toda uma semana.

A água inundou sua casa, depois a de seus vizinhos e finalmente todo o povoado, provocando quase sua ruína...

A Parábola dos Filhos Cobiçosos

Havia uma vez um lavrador generoso e muito trabalhador que tinha vários filhos, todos preguiçosos e cheios de cobiça. Em seu leito de morte, o velho lavrador lhes disse que encontrariam seu tesouro se viessem a cavar num lugar determinado. Assim que o lavrador morreu, seus filhos correram para o campo, que escavaram de ponta a ponta, com ânsia e desespero crescentes ao não encontrar o ouro no trecho indicado.

Não encontraram o que buscavam. Imaginando então que por ser muito generoso, o pai distribuíra seu ouro em vida, desistiram da busca. Por fim, pensaram que, já que a terra fora revolvida, poderiam plantar ali algum cereal. Assim plantaram trigo, que cresceu e deu abundante safra. Eles venderam o produto da colheita e tiveram um ano de prosperidade.

Concluída a colheita, os filhos do lavrador pensaram novamente na remota possibilidade de que o ouro talvez lhes tivesse passado despercebido. E foram cavar de novo em suas terras, mas sem resultado.

Transcorridos alguns anos eles acostumaram-se a semear e colher, seguindo o curso das estações, algo que não tinham aprendido antes.
Foi então que compreenderam a razão pela qual seu pai usara aquele expediente para discipliná-los, e se converteram em lavradores honestos e contentes com sua condição. Finalmente se deram conta de que possuíam riqueza suficiente para não precisarem se interessar pelo tesouro escondido.

Dá-se o mesmo com o ensinamento acerca da maneira de entender o destino humano e o significado da vida. O professor, ao defrontar-se com a impaciência, a confusão e ansiedade dos estudantes, deve encaminhá-los para uma atividade que ele sabe ser instrutiva e benéfica para eles, mas cuja verdadeira função e objetivo com frequência lhes permanecem ocultos devido a sua própria inexperiência.



A Parábola dos Filhos Cobiçosos

Esta história que enfatiza a afirmação de que uma pessoa pode desenvolver certas faculdades a despeito de seu esforço para desenvolver outras é, de maneira inusitada, muito conhecida. Isto talvez seja devido a ser prefaciada assim:
"Aqueles que a repetem obterão mais do que sabem".

Ela foi publicada pelo frade Roger Bacon (que citava a filosofia sufi e a ensinou em Oxford, de onde foi afastado por ordem do Papa), e pelo químico Boerhaave, que viveu no século XVII.

A presente versão é atribuída ao sufi Hasan de Basra, que viveu há quase doze séculos.



Extraído de
'Histórias dos Dervixes'
Idries Shah
Nova Fronteira 1976