15 abril 2009

A Historia de Hatim Tai

Há muito tempo, na antiga Arábia, viveu um nobre e generoso governante tribal chamado Hatim Tai.

Ele era o chefe de inúmeras tendas, pois naqueles tempos as tribos da Arábia vagavam pelas pastagens com os seus rebanhos e muitas eram as que pediam sua proteção. Suas terras e riquezas eram imensas.

Ora, como o numero de tribos sob a proteção de Hatim Tai era cada vez maior, o Rei da Arábia começou a sentir ciúmes da sua reputação de grande senhor tribal.

- Como esse Hatim Tai ousa ter pretensões de ser um líder de Homem? – disse o rei. – Todos falam como se ele fosse ainda mais poderoso do que eu! Sua bondade, sua generosidade, sua eqüidade parecem um modelo de todas as virtudes. Estou cansado de ouvir falar a seu respeito. Acho uma traição sua maneira de conquistar o meu povo e congregá-lo à sua volta.

Certamente que é, ó Rei – disse o vizir, que era um sujeito um tanto hipócrita. – Vossa Majestade está certo como sempre. Devem ser dadas ordens para que ele seja decapitado?

- Não, não – disse o rei. – Ele deve morrer em batalha.
Diga ao chefe do exercito que nós marchamos contra as tendas de Hatim Tai assim que for possível reunir todos os soldados de meu reino. Breve veremos quem é o mais poderoso, se Hatim Tai ou eu.

Ora, os preparativos já estavam em andamento há alguns dias, com as tropas se concentrando para a batalha, quando essas noticias chegaram até Hatim Tai.

Certa manhã, quando ele tomava uma xícara de café do lado de fora de sua tenda, um membro de suas tribos puxou o seu manto e exclamou:
- O Rei de Toda a Arábia, ciumento de teu poder no país declarou guerra contra tuas tendas, oh, Hatim Tai! Arma os homens das tribos e responde ao ataque!

- Se o Rei da Arábia me odeia – disse Hatim Tai, - isto nada tem a ver com os membros das minhas tribos. Por que eles deveriam perder as suas vidas, causando sofrimento às suas viúvas, somente porque um homem é invejado por outro?
Partirei e me esconderei nas colinas até que a situação mude.
O Rei acabará me esquecendo, e talvez um dia eu possa retornar.

- Nós devemos levantar acampamento hoje mesmo – disseram os anciãos da tribo – e viajaremos até outras pastagens, pois se Hatim Tai não deseja que lutemos nós não o faremos.

Então, enquanto as mulheres e as crianças empacotavam os utensílios de cozinha e os panos, os homens desarmaram as tendas. Eles tocaram os camelos e os rebanhos para o deserto, à procura de um lugar para acamparem.

Quando soube que Hatim Tai havia fugido e que as suas tribos haviam se dispersado, o Rei da Arábia ficou furioso e disse:
- Que covarde esse famoso e generoso homem deve ser!
Mal ouviu falar que o meu exercito estava pronto para atacá-lo, ele fugiu como um rato do deserto, mostrando que homem fraco na verdade ele é. Agora o povo será capaz de perceber o quanto o seu líder realmente vale.

- Ó Grande Rei da Arábia – disse o vizir, - deixe-me enviar soldados em todas as direções à procura de Hatim Tai, pos a sua traição continua sendo uma ofensa que merece punição. Faça também com que seja oferecida uma recompensa pela sua cabeça, pois ele é um inimigo de Vossa Majestade e merece ter morte desonrada.

- Excelente! – disse o rei. – Faça com que uma proclamação seja lida nos mercados e nas praças, em todos os lugares onde as pessoas se reúnam: mil peças de ouro serão dadas ao homem que trouxer até o juiz.

E assim todas as riquezas de Hatim Tai foram confiscadas.
Havia muitas pessoas no país que sabiam onde Hatim Tai estava escondido, mas nenhum denunciou aos soldados que o procuravam. Para quase todo mundo Hatim Tai era uma lenda, e ele continua livre ainda por muito tempo. Secretamente, o povo enviava-lhe comida e roupas para o seu esconderijo nas montanhas, e assim ele não morreu de fome.

Nessa região deserta, um velho e sua mulher viviam de apanhar lenha para fazer carvão. Um dia eles chegaram perto do lugar onde Hatim Tai também estava recolhendo alguns galhos para o seu fogo. Ao ouvi-los conversando ele se escondeu atrás de uma rocha.

- Se, pela misericórdia de Deus, nós pudéssemos ao menos encontrar Hatim Tai não seria maravilhoso? Assim poderíamos ir até o rei e receber as mil peças de ouro – disse a velha mulher enquanto se curvava para apanhar um galho.

- Silencio mulher! Nunca digas uma coisa destas nem que vivas cem anos. Como poderíamos entregar Hatim Tai ao rei?
Nem vinte mil peças de ouro seriam suficiente para que fizéssemos uma coisa tão ruim! É nosso destino sermos carvoeiros, e Allah não nos abandonará se permanecermos no caminho reto.

Resmungando um pouco, a velha curvou-se novamente, e nesse momento Hatim Tai saiu de trás da rocha, dizendo:
- Deus te ouviu hoje. Eu sou Hatim Tai. Leve-me até o rei e te tornarás rico com as mil peças de ouro.
-Oh, não, generoso Hatim Tai – disse o velho chorando.
- Nunca penses isto de nós, pois foi apenas um impulso malvado que Íblis, o Perverso, colocou na mente de minha esposa. Vender-te para teu inimigo em troca de ouro? Que Allah possa ser meu juiz. Não serei eu o causador de tua morte dessa maneira.

Hatim Tai então respondeu:
- Vamos, leva-me, pois se a minha vida puder beneficiar-te e a tua esposa, trazendo tranqüilidade ao resto dos vossos dias, eu ficarei feliz. Que utilidade tenho eu para quem quer que seja vivendo aqui nesta caverna como um animal encurralado?

Mas, enquanto o velho protestava, um destacamento de soldados chegou silenciosamente e escutou tudo o que foi dito.
Eles ouviram Hatim Tai e viram quem ele era. Antes que ele pudesse compreender o que acontecia, os soldados o agarraram e levaram-no. O pobre carvoeiro e sua esposa os seguiram sem saber o que dizer:

O rei apareceu, e vendo a grande multidão que se reunira no pátio perguntou ao vizir:
- O que está acontecendo? Por que todo este barulho e gritaria?
- Vossa Majestade – disse o vizir, - eles encontraram o traidor, Hatim Tai, e finalmente o trouxeram frente ao juiz.

- Quem o encontrou? E onde? – perguntou o rei.
Nesse momento todos os soldados começaram a gritar, cada um reivindicando para si próprio a façanha, até que o rei levantou sua mão fazendo-os calar, dizendo:

- Não é possível que todos vocês ganhem mil peças de ouro. Apenas um deve tê-lo encontrado, e a essa pessoa eu darei a recompensa.
Hatim Tai então falou:
- Ó Rei da Arábia, quem me encontrou foi este velho carvoeiro. Dê-lhe o ouro, pois sua necessidade é muito maior do que a desses soldados, que apenas trouxeram-me até aqui.

- Vossa Majestade – exclamou o velho, - eu vos peço, escutai a verdade. Foi o próprio Hatim Tai quem veio até nos e nos disse que o levássemos, pois assim poderíamos receber o dinheiro. Ele ouviu minha mulher falar, enquanto recolhíamos madeira, que as mil peças de ouro no permitiriam viver com fartura pelo resto de nossos dias. Enquanto nós protestávamos é que estes soldados apareceram e capturaram Hatim Tai, pois ele havia se descuidado de vigiar sua própria segurança.

Ao escutar esta historia o coração do Rei da Arábia foi tocado, e ele percebeu que Hatim Tai era realmente tão generoso quanto a lenda dizia. Ele ficou envergonhado e fez um sinal para que os soldados soltassem os braços de Hatim Tai.

- Deixem-no partir em paz – ele disse – e voltar às tendas de seu povo, pois sem sombra de duvida ficou provado que Hatim Tai é o mais nobre de todos os homens que vivem em nosso reino.

Hatim Tai permaneceu por um instante na frente do rei, e então deu graças a Allah por Sua misericórdia naquele dia. O rei ordenou que mil peças de ouro fossem dadas ao velho casal e devolveu a Hatim Tai todas as suas riquezas.

Quando a noticia de que seu chefe estava novamente livre chegou às tribos, um grande numero de pessoas voltou para acompanhá-lo até o seu novo território. E o Rei da Arábia deixou Hatim Tai e o seu povo livres para sempre.

13 abril 2009

A Farmácia cósmica de Nasrudin

Nasrudin estava desempregado. Perguntou, então, a alguns amigos que tipo de profissão deveria seguir.
"Bem, Nasrudin," disseram, "você é muito capaz e conhece bastante as propriedades medicinais das ervas. Poderia abrir uma farmácia."
Nasrudin foi para casa, pensou e disse para si mesmo: "sim, acho que é uma boa idéia. Acho que sou capaz de fazer isso."
Naturalmente, sendo Nasrudin, nessa ocasião em particular passava por um de seus momentos de desejar ser proeminente e importante. Assim, pensou: "Não abrirei apenas uma loja de ervas ou uma farmácia que lide com ervas; abrirei algo grandioso e que cause um forte impacto".
Comprou uma loja, instalou prateleiras e armários e quando chegou a hora de pintar a fachada, montou um andaime, cobriu-o com chapas e trabalhou atrás delas. Não deixou que ninguém visse o nome que daria à farmácia ou como a fachada estava sendo pintada.
Após vários dias, distribuiu folhetos que diziam: "Grande inauguração, amanhã às nove horas".
Todos de sua aldeia e das aldeias vizinhas vieram e ficaram esperando em frente à nova loja. Às nove horas, Nasrudin apareceu, retirou a placa da frente e lá estava um enorme cartaz onde se lia: "Farmácia Cósmica e Galáctica de Nasrudin" e abaixo estava escrito: "Influenciada e harmonizada com influências planetárias".
Muita gente ficou impressionada e ele fez um ótimo negócio naquele dia.
Ao anoitecer, um professor local aproximou-se de Nasrudin e lhe disse: "Francamente, essas alegações que você faz são um pouco duvidosas".
"Não, não", respondeu Nasrudin, "cada alegação que faço sobre influência planetária é absolutamente correta. Quando o sol se levanta, abro a farmácia e quando o sol se põe, eu fecho."
Portanto, podem haver diferentes interpretações sobre quanto a influência planetária afeta alguém e sobre o quanto dessas influências alguém recebe ou usa.

Extraído do livro: Histórias da Tradição Sufi

A donzela que era mais sábia que o Czar

Era uma vez um homem pobre que tinha uma única filha.
Essa jovem era surpreendentemente sábia; parecia possuir uma compreensão muito acima do que seria de se esperar na sua idade e freqüentemente dizia coisas que espantavam a seu próprio pai.
Um dia, quando estava sem um centavo, esse homem foi visitar o czar, para pedir ajuda.
O czar ficou atônito ao ver a forma refinada com que o homem falava, e perguntou-lhe onde havia aprendido aquelas frases.
- Com minha filha – respondeu o homem.
- Sim, mas onde a sua filha aprendeu? – perguntou o czar.
- Deus e nossa pobreza a tornaram sábia – foi a resposta.
- Aqui está algum dinheiro para as suas necessidades imediatas – disse o czar, - e trinta ovos, para que você peça à sua filha, em meu nome, para que os ponha a chocar para mim. Se ela o fizer com êxito darei a vocês ricos presentes. Caso ela não o consiga, você será torturado.
O homem voltou para casa e deu os ovos para sua filha, que os examinou, pesando um ou dois em suas mãos, e assim ela se deu conta de que eram ovos cozidos. Disse ao pai:
- Pai, espere até amanhã. Talvez eu descubra o que se pode fazer.
No dia seguinte ela acordou bem cedo e, tendo pensado uma solução, ferveu algumas sementes. Colocou-as dentro de uma pequena bolsa e deu-a a seu pai, dizendo:
- Vá com o arado e os bois, pai, e comece a arar ao lado do caminho por onde o czar passa quando está indo à igreja.
No momento que o czar puser sua cabeça para fora da janela da carruagem você deve gritar: ‘Vamos, bravos bois, arem a terra para que estas sementes cozidas cresçam bastante’!
O pai fez o que sua filha havia dito, e, conforme a previsão dela, o czar olhou o homem trabalhando pela janela da carruagem. Quando escutou o que ele gritava, disse:
- Homem estúpido, como você pode esperar que sementes cozidas produzam algo?
O homem, prevenido pela sua filha, gritou:
- Da mesma forma como ovos cozidos produzem pintos!
O czar então seguiu o seu caminho, sabendo que a jovem havia sido mais esperta do que ele.
Porém as coisas não terminariam assim...
No dia seguinte o czar enviou fio de linho enrolado e embaraçado à casa do homem. O mensageiro disse:
- Este linho deve ser usado para fazer velas para o barco do meu senhor, e isto deve ser feito até amanhã. Caso contrário você será executado.
Chorando o homem entrou em casa, mas sua filha lhe disse:
- Não tenha medo pai, pensarei em uma solução.
Na manhã seguinte ela se dirigiu a seu pai e entregou-lhe um pedaço de madeira, dizendo:
- Diga ao czar que se ele puder fazer todos os instrumentos necessários para fiar e tecer deste pedaço de madeira, eu farei o tecido para as velas com este linho.
O homem fez conforme a sua filha havia indicado, e o czar ficou ainda mais impressionado com a resposta da jovem. No entanto ele pôs uma pequena taça na mão do homem e disse:
- Vá, leve esta taça para sua filha e peça-lhe para esvaziar o mar com ela, porque assim poderei aumentar meus domínios com novas pastagens.
- O homem voltou para casa e deu a taça à filha, dizendo-lhe que o governante havia pedido novamente algo impossível de ser feito.
- Vá se deitar – disse ela. – Pensarei em algo, concentrando minha mente nisto toda a noite.
Ao amanhecer chamou o pai e disse:
- Diga ao czar que se ele puder represar todos os rios do mundo com este pedaço de estopa, então esvaziarei o mar par ele.
O pai voltou ao palácio e contou a czar o que a sua filha dissera.o czar reconhecendo que ela era mais sábia do que ele, pediu que ela fosse enviada à corte imediatamente. Quando ela se apresentou, ele lhe perguntou:
- O que é que pode ser ouvido a uma grande distância?
Sem vacilar, ela respondeu imediatamente:
- Somente o trovão e a mentira podem ser ouvidos desde os pontos mais distantes, ó czar.
Antonio, o czar segurou sua própria barba, e virando-se para os cortesãos lhe perguntou:
- Quanto acham que vale a minha barba?
Todos começaram a calcular o que pensavam que a barba valia, dando-lhe preços cada vez mais altos para adular Sua Majestade. Então o czar perguntou à donzela:
- E você, minha criança, quanto você acha que vale a minha barba?
Os cortesãos aguardavam atentos a resposta:
- A barba de Vossa Majestade vale três chuvas de verão.
O czar muito surpreendido, disse:
- Você respondeu corretamente. Eu me casarei com você e farei de você minha esposa hoje mesmo.
E assim a jovem se tornou a czarina. Mas assim que as bodas terminaram ela disse ao czar:
- tenho um pedido para fazer. Conceda-me a graça, escrita com letra de sua própria mão, de que se você ou qualquer um da sua corte desgostar-se comigo, e eu tiver que partir, me será permitido levar comigo aquilo de que eu mais gostar.
Enquanto com a bela donzela, o czar pediu uma pena e um pergaminho e imediatamente escreveu, selando o documento com seu anel de rubi, tal como ela havia solicitado.
Os anos se passaram com muita felicidade para ambos. Um dia porém o czar teve uma acalorada discussão com a czarina e, irritado, ordenou:
- Vá embora! Desejo que deixe este palácio para nunca mais voltar.
- Então irei embora amanhã – disse a jovem czarina, obedientemente. – Permita-me somente passar a noite aqui para preparar meu regresso a casa.
O czar concordou e, antes de deitar-se, tornou a bebida de ervas que ela sempre preparava para ele. Assim que bebeu o czar caiu adormecido. A czarina levou-o para à carruagem real, e partiram para a cabana de seu pai.
Quando amanheceu o czar, que havia dormido tranqüilamente a noite inteira, despertou, olhando desconcertado ao seu redor.
- Traição! – gritou. – Onde estou e de quem sou prisioneiro?
- Meu, Vossa Majestade – respondeu a czarina docemente. – O documento escrito por sua própria mão está aqui.
Lhe mostrou o pergaminho onde ele havia escrito que se ela tivesse que sair do palácio poderia levar aquilo de que mais gostasse.
Quando o leu, o czar riu de coração, e declarou que seu afeto por ela ainda era o mesmo.
Ao que ela respondeu:
- Meu grande amor por você, ó czar, me fez assim tão audaciosa. Mas, se arrisquei minha vida, isso demonstra o quanto amo você.
E foi assim como eles se uniram novamente e viveram felizes para o resto de suas vidas.

Extraído do livro: Histórias da Tradição Sufi.

A Água do paraíso

Harith, o Beduíno, e sua esposa, Nafisa, indo de um lugar para outro, erguiam sua tenda esfarrapada onde quer que encontrassem tamareiras, ervas para alimentar seu camelo ou um poço se água salobra. Esta vinha sendo sua forma de vida por muitos anos, e Harith raramente variava sua rotina diária: caçando ratos para aproveitar-lhes a pele, traçando cordas de fibras de palma, que vendia aos caravaneiros que por ali passavam.
Um dia contudo surgiu um novo manancial no areal, e Harith levou um pouco daquela água aos lábios. Teve a impressão de estar provando a verdadeira água do paraíso, pois era muito menos suja do que aquela que estava acostumado a beber. A outra teria parecido desagradavelmente salgada.
- Devo levar isto à alguém que irá apreciá-lo – disse Harith.
E foi assim que partiu rumo a Bagdá, em busca do palácio de Harun el-Raschid, viajando sem deter-se a não ser para mastigar algumas tâmaras. Harith levou consigo dois odres de couro cheios daquela água: um para ele e outro para o califa.
Dias depois chegou a Bagdá, e se dirigiu logo ao palácio.
Ali os guardas ouviram sua história e, somente por ser esta a norma usual, deixaram-no participar da audiência publica de Harun el-Raschid.
- Comendador dos Crentes – disse então Harith, - eu sou um pobre beduíno e conheço todas as águas do deserto, embora sabia pouco acerca de outras coisas. Acabo de descobrir esta água do paraíso e, julgando-a uma oferenda digna de vós, vim logo oferecê-la.
Harun, o Íntegro, provou da água, e, como compreendia seu povo, ordenou aos guardas palacianos que levassem Harith e o mantivessem detido por algum tempo, até tornar conhecida sua decisão sobre aquele caso. Depois chamou o capitão da guarda e lhe disse:
- O que para nós não é nada, para ele é tudo. Portanto devem levá-lo desse palácio durante a noite. Não deixem que veja o poderoso rio Tigre. Escoltem-no até a sua tenda no deserto, sem permitir que prove água doce. Então dêem mil moedas de ouro a ele, juntamente com os meus agradecimentos por seu serviço. Digam-lhe que é o guardião da água do paraíso e que a distribua gratuitamente, em meu nome, a todos os viajantes.


Extraido do livro: Histórias da Tradição Sufi

05 abril 2009

A Mulher e o Ser Espiritual

Vejamos o velho conto da mulher e o ser espiritual.

Era uma vez uma pobre mulher que ajudou a um ser espiritual disfarçado, dando-lhe hospitalidade quando outras pessoas o haviam
botado para fora.

Quando se retirou da casa da mulher ele falou:

- Amanhã, procure realizar tua primeira tarefa durante o dia todo.

Ela pensou que era uma estranha forma de mostrar agradecimento, mas, em seguida esqueceu o assunto.

No dia seguinte um mercador trouxe para a mulher um pequeno carretel de fibra de ouro e pediu para que ela lhe bordasse uma capa, pois bordar era seu trabalho, quando conseguia ter algum.

Então ela desenrolou o fio de ouro e bordou a roupa.

Quando terminou, viu que tinha ainda mais fio de ouro no chão do que quando havia começado seu trabalho.

Quanto mais enrolava o fio de ouro numa bola, mais fio aparecia. Enrolou o dia inteiro e a noite tinha uma grande quantidade de ouro. Por tradição, o fio restante pertencia a bordadeira.

Vendeu este fio de ouro, e com o dinheiro pode reconstruir sua casa e mobiliá-la, assim como estabelecer-se com um bom negócio.

Como é natural, os vizinhos sentiram curiosidade, e ela lhes contou como havia mudado a sua sorte e como tudo tinha acontecido.

Algum tempo mais tarde, um mercador da mesma cidade viu e reconheceu o forasteiro com poderes mágicos do qual a mulher lhe falara e o convidou a sua loja e a sua casa. Mostrou para com o ser
espiritual uma grande hospitalidade, imitando a forma de agir das pessoas generosas, extremando inclusive suas atenções.


Pensava: “Espero que agora me toque algo a mim... E, por suposto, a todos os deste povo”. Agregou a segunda frase a seu pensamento porque, apesar de ser cobiçoso, imaginou que lembrando-se dos outros obteria algo para si, mas não obstante, estava imitando a caridade, porque não pensava que o bem dos outros equivalia a seu próprio bem, salvo com idéia posterior; mas para ele as coisas resultaram diferentes de como foram para a mulher caridosa.

Quando o forasteiro estava a ponto de partir o mercador lhe falou:

- Concede-me uma graça.

- Eu não faço tal coisa - disse o forasteiro - mas eu desejo que tua primeira preocupação de hoje dure para você toda uma semana.

O ser espiritual continuou seu caminho e o mercador se dirigiu à sua loja, aonde se propunha contar dinheiro e multiplicá-lo toda uma semana.

Ao atravessar seu próprio pátio, o mercador se deteve para beber água do poço. Tão pronto como subiu o primeiro balde cheio, se sentiu obrigado a extrair outro e mais outro e assim continuou durante toda uma semana.

A água inundou sua casa, depois a de seus vizinhos e finalmente todo o povoado, provocando quase sua ruína...

A Parábola dos Filhos Cobiçosos

Havia uma vez um lavrador generoso e muito trabalhador que tinha vários filhos, todos preguiçosos e cheios de cobiça. Em seu leito de morte, o velho lavrador lhes disse que encontrariam seu tesouro se viessem a cavar num lugar determinado. Assim que o lavrador morreu, seus filhos correram para o campo, que escavaram de ponta a ponta, com ânsia e desespero crescentes ao não encontrar o ouro no trecho indicado.

Não encontraram o que buscavam. Imaginando então que por ser muito generoso, o pai distribuíra seu ouro em vida, desistiram da busca. Por fim, pensaram que, já que a terra fora revolvida, poderiam plantar ali algum cereal. Assim plantaram trigo, que cresceu e deu abundante safra. Eles venderam o produto da colheita e tiveram um ano de prosperidade.

Concluída a colheita, os filhos do lavrador pensaram novamente na remota possibilidade de que o ouro talvez lhes tivesse passado despercebido. E foram cavar de novo em suas terras, mas sem resultado.

Transcorridos alguns anos eles acostumaram-se a semear e colher, seguindo o curso das estações, algo que não tinham aprendido antes.
Foi então que compreenderam a razão pela qual seu pai usara aquele expediente para discipliná-los, e se converteram em lavradores honestos e contentes com sua condição. Finalmente se deram conta de que possuíam riqueza suficiente para não precisarem se interessar pelo tesouro escondido.

Dá-se o mesmo com o ensinamento acerca da maneira de entender o destino humano e o significado da vida. O professor, ao defrontar-se com a impaciência, a confusão e ansiedade dos estudantes, deve encaminhá-los para uma atividade que ele sabe ser instrutiva e benéfica para eles, mas cuja verdadeira função e objetivo com frequência lhes permanecem ocultos devido a sua própria inexperiência.



A Parábola dos Filhos Cobiçosos

Esta história que enfatiza a afirmação de que uma pessoa pode desenvolver certas faculdades a despeito de seu esforço para desenvolver outras é, de maneira inusitada, muito conhecida. Isto talvez seja devido a ser prefaciada assim:
"Aqueles que a repetem obterão mais do que sabem".

Ela foi publicada pelo frade Roger Bacon (que citava a filosofia sufi e a ensinou em Oxford, de onde foi afastado por ordem do Papa), e pelo químico Boerhaave, que viveu no século XVII.

A presente versão é atribuída ao sufi Hasan de Basra, que viveu há quase doze séculos.



Extraído de
'Histórias dos Dervixes'
Idries Shah
Nova Fronteira 1976