26 agosto 2013

A Farmácia Cósmica de Nasrudin


Nasrudin estava desempregado. Perguntou, então, a alguns amigos que tipo de profissão deveria seguir.
“Bem, Nasrudin,” disseram, “você é muito capaz e conhece bastante as propriedades medicinais das ervas. Poderia abrir uma farmácia.”
Nasrudin foi para casa, pensou e disse para si mesmo: “sim, acho que é uma boa idéia. Acho que sou capaz de fazer isso.”
Naturalmente, sendo Nasrudin, nessa ocasião em particular passava por um de seus momentos de desejar ser proeminente e importante. Assim, pensou: “Não abrirei apenas uma loja de ervas ou uma farmácia que lide com ervas; abrirei algo grandioso e que cause um forte impacto”.
Comprou uma loja, instalou prateleiras e armários e quando chegou a hora de pintar a fachada, montou um andaime, cobriu-o com chapas e trabalhou atrás delas. Não deixou que ninguém visse o nome que daria à farmácia ou como a fachada estava sendo pintada.
Após vários dias, distribuiu folhetos que diziam: “Grande inauguração, amanhã às nove horas”.
Todos de sua aldeia e das aldeias vizinhas vieram e ficaram esperando em frente à nova loja. Às nove horas, Nasrudin apareceu, retirou a placa da frente e lá estava um enorme cartaz onde se lia: “Farmácia Cósmica e Galáctica de Nasrudin” e abaixo estava escrito: “Influenciada e harmonizada com influências planetárias”.
Muita gente ficou impressionada e ele fez um ótimo negócio naquele dia.
Ao anoitecer, um professor local aproximou-se de Nasrudin e lhe disse: “Francamente, essas alegações que você faz são um pouco duvidosas”.
“Não, não”, respondeu Nasrudin, “cada alegação que faço sobre influência planetária é absolutamente correta. Quando o sol se levanta, abro a farmácia e quando o sol se põe, eu fecho.”
Portanto, podem haver diferentes interpretações sobre quanto a influência planetária afeta alguém e sobre o quanto dessas influências alguém recebe ou usa.


Extraído do livro: Histórias da Tradição Sufi

01 agosto 2013

Na rua dos Perfumistas!


Um varredor, enquanto caminhava pela rua onde havia muitas perfumarias, caiu de repente ao solo como morto. Transeuntes procuraram reanimá-lo com deliciosos aromas, mas só conseguiram faze-lo piorar.

Por fim apareceu ali um ex-varredor, que compreendeu logo a situação. Manteve sob as narinas do homem caído algo de muito sujo e o varredor logo se recuperou, exclamando:

- Isto sim é que é perfume!!

Devem todos preparar-se para a fase de transição em que não haverá nenhuma das coisas a que estão acostumados. Após a morte, vossa identidade deverá responder a estímulos sobre os quais tendes oportunidade de indagar aqui.

Se permanecerem aferrados às poucas coisas que lhes são familiares, isto só os fará infelizes, como o varredor sobre o qual o aroma de perfume não fez efeito, na rua dos perfumistas.

A parábola fala por si mesma. Ghazali a utiliza em "A Alquimia da Felicidade", escrita no século XI, para enfatizar o ensinamento sufi de que somente algumas das coisas cuja existência nos é familiar tem afinidades com a "outra dimensão".


Extraído de
'Histórias dos Dervixes'
Idries Shah
Nova Fronteira 1976

24 maio 2013

O lobo e o cão


Um lobo que só tinha pele e osso
Porque na mata andava escasso o pão,
encontra um Dogue forte, ebelto, grosso.
Que errava por ali, por simples distração.
Atacá-lo, deixá-lo despedaçado.
Mestre Lobo o faria de bom grado
Não fosse o medo de apanhar.
Mas queria saber como ele fez,
Qual o processo, o métido a cuidar,
Pra tamanha robustez.
Por isso o aborda, humildemente.
E o cão o atende, cortesmente:
- "Só depende de você, ó senhor Lobo,
Ser tão grande como eu, se belo e forte.
Deixai as matas, não sejais tão bobo,
Somente assim tereis um invejável porte.
Sabeis que não tem vida aquele que não come.
Vossos irmãos, por isso, em louco desatino,
Acabam todos a morrer de fome.
Nesta mata não há comida grátis,
Tudo se obtrém a troco de combates.
Segui-me, vós tereis um bem melhor destino."
E o Lobo perguntou - "Que é preciso que eu faça?"
- Ah!, muito pouco: - respondeu o cão -
Aos de fora, fazer brava ameaça.
Defender os de casa e adular o patrão.
E, em pagamento, vós recebereis
Restos de bóia variada e boa,
Ossos de frango e ossos de leitoa,
Sem falar da carícia que tereis."
O Lobo já vislumbra uma vida encantada
E sonha com comida, e treme de emoção.
Porém durante a caminhada.
Viu que tinha um pelado o pescoço do cão,
E assustado indagou: " Que é isso?" - "Não é nada".
- "Como? Nada? Julgais que nisso posso crer?"
- "A coleira que em mim ficava amarrada
Seria a causa talvez, do que acabais de ver"
- "Preso? Tendes então a liberdade morta?"
Ganhais comida em troca de prisões?
Não sois livre?" - "Nem sempre que importa?"
- "Que importa? - perguntou todo assustado -
Guardai as vossas ricas refeições
Porque prefiro a fome e a liberdade
A ter que bajular e andar acorrentado."
Mestre Lobo, com grande agilidade,
Estica a perna em correria infinda.
E todos falam que ele corre ainda.

Jean de la Fontaine




22 maio 2013

O Ermitão


Durante o reinado do rei Mabdar viveu na Babilônia um jovem chamado Zadig. Era formoso, rico e naturalmente de bom coração. No momento em que esta história começa ele estava viajando a pé para ver o mundo e aprender filosofia e sabedoria.

Mas até esse momento tinha encontrado tanta miséria e suportado tantos e terríveis desastres que estava tentado a rebelar-se contra a vontade do céu e acreditar que a Providência, que rege o mundo, desdenhava o Bem e permitia que o Mal prosperasse. Neste triste estado de espírito estava ele caminhando um dia às margens do Eufrates. Por casualidade encontrou um venerável ermitão cuja barba, branca como a neve, descia até a cintura. Em sua mão o ancião levava um rolo de pergaminho que lia com atenção. Zadig parou e fez-lhe uma reverência. O ermitão devolveu-lhe a saudação com um ar tão bondoso e tão nobre que Zadig sentiu curiosidade de falar com ele. Perguntou-lhe então o que ele estava lendo:

- É o Livro do Destino - disse o ermitão. - Você gostaria de ler este livro?

Entregou o livro a Zadig, mas este, apesar de conhecer uma dezena de línguas, não pode entender uma só palavra do livro.
Sua curiosidade foi aumentando.

- Você parece ter problemas... - disse o bondoso ermitão.

- Sim, infelizmente tenho - disse Zadig. - E tenho razões para estar assim.

- Se me permite - disse o ancião, - eu o acompanharei. Quem sabe poderei ser-lhe útil. `As vezes sou capaz de consolar os aflitos.

Zadig sentiu um profundo respeito pela aparência, a barba branca e o pergaminho misterioso do velho ermitão, e percebeu que a conversa dele era a de uma mente superior. O velho falou do destino, da justiça, da moral, do principal bem na vida, da debilidade humana, da virtude e do vício, com tal poder de eloquência que Zadig se sentiu atraído por uma espécie de encanto, e suplicou ao eremita que não o deixasse até que regressassem à Babilônia.

- Peço-lhe o mesmo favor - disse o ermitão. - Prometa-me que, haja o que houver, você permanecerá em minha companhia por alguns dias.

Zadig prometeu, e juntos se puseram em marcha.

Naquela noite os viajantes chegaram a uma grande mansão. O eremita pediu comida e alojamento para ele e seu companheiro. O porteiro, que poderia ser confundido com um príncipe, os introduziu com um desdenhoso ar de boas-vindas. O chefe dos serventes lhe mostrou os magníficos aposentos, e então lhes foi permitido sentar-se em um canto da mesa, na qual estava o senhor da mansão, que nem se deu ao trabalho de olhá-los. Mesmo assim, iguarias em abundância lhes foram servidas, e depois de cear lavaram as mãos em uma bacia de ouro incrustrada com esmeraldas e rubis. Foram então levados para passar a noite em um formoso aposento. Na manhã seguinte, antes de deixarem o castelo, um servente trouxe uma peça de ouro para cada um.

- O senhor da casa - disse Zadig quando estavam caminhando - parece ser um homem generoso, ainda que um pouco arrogante, e pratica uma nobre hospitalidade.

Enquanto falava com ele se deu conta de que uma espécie de bolsa grande que o eremita levava parecia agora abarrotada. Dentro dela estava a bacia de ouro incrustrada de pedras preciosas que o velho havia furtado. Zadig ficou pasmo, mas não disse nada.

Ao meio-dia o eremita parou em frente a uma pequena casa onde vivia um rico avarento e, mais uma vez pediu hospedagem. Um velho criado, usando um puído casaco, os recebeu muito grosseiramente, acomodou-os no estábulo e pôs diante deles umas poucas azeitonas meio estragadas, uns pedaços de pão dormido e cerveja muito amarga. 
O ermitão comeu e bebeu com o mesmo prazer que tivera na noite anterior. Quando terminaram o ermitão se dirigiu ao criado, que não havia tirado os olhos deles para assegurar-se de que nada roubariam, deu-lhe as duas peças de ouro que haviam recebido naquela manhã e agradeceu a sua atenção, acrescentando:

- Tenha a bondade de permitir que eu veja seu amo.

O atônito servo os conduziu para dentro da casa.

- Poderosíssimo senhor - disse o ermitão, - eu gostaria de apresentar meus humildes agradecimentos pela nobre maneira com que nos recebeu. Eu suplico que aceite esta bacia de ouro como demonstração de minha gratidão.

O miserável avarento quase caiu da cadeira, de tão assombrado que ficou. O ermitão, sem esperar que ele se recobrasse, retirou-se rapidamente com seu companheiro.

- Santo Pai - disse Zadig, - o que significa tudo isso? Para mim você não se parece em nada aos outros homens. Você rouba uma bacia de ouro com jóias de um senhor que nos recebe magnificamente e a dá a um tacanho que o trata indignamente.

- Meu filho - replicou o ermitão, - esse poderoso senhor que só recebe os viajantes por vaidade e para ostentar suas riquezas de agora em diante se fará mais sábio, e, por outro lado, o miserável será ensinado a praticar a hospitalidade. Não se espante com nada, e siga-me.

Zadig não sabia se estava tratando com o mais sábio ou com o mais tolo dos homens. Mas o ermitão falou com tal convicção que Zadig, preso a sua promessa, não teve outra escolha senão seguí-lo.

Nessa noite chegaram a uma casa agradável, de aspecto simples, que não mostrava sinais de fartura nem de avareza. O dono era um filósofo que havia abandonado o mundo e estudava, pacificamente, as leis da virtude e da sabedoria. Era um homem feliz e contente. Ele havia criado esse calmo refúgio para seu prazer e nele recebeu os estrangeiros com uma generosidade que não mostrava sinais de ostentação. Ele mesmo os conduziu a um quarto confortável, onde os fez descansar alguns instantes, e então veio buscá-los para servir-lhes uma delicada ceia.

Nas conversas que mantiveram entre si, concordaram que os assuntos deste mundo nem sempre eram regulados pelas opiniões dos homens mais sábios. O ermitão, por sua parte, sustentava que os caminhos da Providência estavam envoltos em mistério e que os homens faziam mal em emitir julgamento sobre um universo do qual só conheciam uma parte muito pequena. Zadig se perguntava como uma pessoa que cometia atos tão loucos podia pensar tão corretamente.

Finalmente, depois de uma conversa tão agradável quanto instrutiva, o anfitrião conduziu os viajantes a seus quartos e agradeceu ao céu por enviar dois visitantes tão sábios e virtuosos.
Ofereceu-lhes algum dinheiro, mas o fez com tanta franqueza que eles não puderam se sentir ofendidos. O velho recusou e se despediu, pois desejava partir para a Babilônia ao nascer do dia. Separaram-se em tom cordial, e Zadig estava cheio de agradáveis sentimentos por um homem tão amistoso.

Enquanto estavam em seu quarto, Zadig e o ermitão passaram algum tempo elogiando o anfitrião. Ao amanhecer o ancião despertou seu companheiro, dizendo:

- Devemos ir. Mas enquanto todos ainda estão dormindo desejo deixar a este digno homem um sinal de minha estima.

Com estas palavras, pegou uma tocha e deitou fogo à casa.

Zadig começou a gritar horrorizado e teria impedido esse terrível ato, mas o ermitão, com uma força superior, o deteve. A casa se tornou uma fogueira, e o velho, que agora estava bem longe com seu companheiro, olhou calmamente para a pilha  fumegante.

- O céu seja louvado! - gritou. - A casa de nosso amável anfitrião está destruída de ponta a ponta!

Ao ouvir estas palavras, Zadig não sabia se chorava ou se ria; se chamava o venerável de velhaco, se o golpeava ou se corria para longe dali, mas ele não fez nenhuma destas coisas. Ainda subjugado pela aparência superior do ermitão, seguiu-o contra sua própria vontade até a hospedagem seguinte. Desta vez chegaram à residência de uma boa e caridosa viúva que tinha um sobrinho de 14 anos, sua única esperança e alegria. Ela fez tudo o que pode pelos viajantes. 
Na manhã seguinte pediu a seu sobrinho que os guiasse na travessia de uma certa ponte em ruínas, perigosa de se cruzar. O jovem os conduziu, ansioso por agradá-los.

- Venha - disse o eremita, quando eles estavam no meio da ponte, 
- devo mostrar minha gratidão para com sua tia.

Enquanto falava, ele pegou o jovem pelos cabelos e o atirou no rio. 
O jovem caiu, reapareceu por um instante na superfície da água e logo foi tragado pele corrente.

- Oh, monstro! - exclamou Zadig. - Você é o mais detestável dos homens!

- Você me prometeu ter mais paciência - interrompeu o velho. - Escute!
Embaixo das ruínas daquela casa que a Providência achou conveniente por em chamas, o dono descobrirá um enorme tesouro; enquanto o jovem, cuja existência a Providência cortou, teria matado a tia em um ano e a você em dois anos.

- Quem lhe disse isto, bárbaro? - gritou Zadig. - Ainda que você tenha lido isso no Livro do Destino, quem lhe deu poder para afogar um jovem que nunca lhe fez nada?

Enquanto falava, Zadig viu que o ancião já não tinha mais barba e que seu rosto tinha se tornado jovem e belo. Seu traje de eremita havia desaparecido, quatro asas brancas cobriam a sua majestosa forma e brilhavam com ofuscante esplendor.

- Anjo do Céu! - gritou Zadig. - Você então desceu do céu para ensinar a um mortal extraviado a submeter-se às leis eternas?

- Os homens - replicou o anjo Jezrael - julgam todas as coisas sem conhecimento, e você é, de todos os homens, o mais merecedor de ser esclarecido. O mundo imagina que o jovem que acaba de perecer caiu por acidente na água e que a casa do filósofo se incendiou por acaso. 
Mas a causalidade não existe: tudo é prova, castigo ou profecia. 
Frágil mortal! Pare de questionar e de se rebelar contra o que você deveria adorar!

Depois de dizer estas palavras, o anjo alçou vôo até o céu e Zadig se prostrou ajoelhado.


Extraído de
'Histórias da Tradição Sufi'
Edições Dervish 1993

18 março 2013

Um elefante no escuro


Um elefante pertencente a uma mostra ambulante fora colocado num estábulo perto de uma cidade que até então nunca tinha visto um elefante. Tendo ouvido falar da maravilha escondida, quatro cidadãos curiosos foram tentar vê-la antes dos outros. Chegados ao estábulo, verificaram que não havia luz. A investigação, portanto, teve de ser feita no escuro.
Um deles, tocando-lhe a tromba, supôs a criatura parecida com uma mangueira de água; o segundo apalpou-lhe a orelha e concluiu que era um leque. O terceiro, pegando uma perna, comparou-a a um pilar vivo; e o quarto, tendo posto a mão no dorso do animal, convenceu-se de que era uma espécie de trono. Nenhum deles pôde formar uma imagem completa; e, partindo da parte com que cada um entrara em contato, só puderam referir-se ao animal em termos de coisas que já conheciam. O resultado da expedição foi uma confusão. Cada qual tinha a certeza de ter razão; e nenhum dos outros habitantes da cidade compreendeu o que acontecera, nem o que os investigadores haviam de fato, experimentado.
Extraído do livro "Os Sufis" de Idries Shah

08 janeiro 2013

Bravo com o Faquir

Um Faquir clamava que poderia ensinar qualquer analfabeto a ler através de uma "técnica instantânea."

"Ok," disse Nasrudin. "Ensine-me."

O Faquir tocou a cabeça de Nasrudin e disse, "Agora leia alguma coisa."

Nasrudin saiu, e retornou a praça da aldeia uma hora depois com um olhar raivoso em sua face.

" O que aconteceu?" Perguntaram os aldeões. "Você pode ler?"

"Na verdade eu posso," respondeu Nasrudin, "mas não foi por isso que eu voltei? Agora onde está o salafrário do Faquir?"

"Mulla," disseram as pessoas, "ele ensinou você a ler em não mais do que um minuto. Então o que faz você pensar que o Faquir é um salafrário?"

"Bem," Nasrudin explicou, "eu estava justamente lendo um livro que afirmava, 'Todos os Faquires são fraudes.' "

Extraido do livro 200+ Mulla Nasrudin Stories and Jokes
Traduzido por Mandelas Zurc

A Mudança do amigo

Um amigo de Nasrudin disse um dia, "eu estou mudando para outra vila. Você pode me dar seu anel? Desta forma eu sempre lembrarei de você todas as vezes que olhar para ele!"
"Bem," respondeu Nasrudin, "você pode perder o anel e esquecer-me. Então em primeiro lugar eu não vou dar o anel a você, desta forma todas as vezes que você olhar para o seu dedo  e não ver o anel, você definitivamente se lembrará de mim!"

Extraido do livro 200+ Mulla Nasrudin Stories and Jokes
traduzido por Mandelas Zurc