18 outubro 2014

Quando as águas foram mudadas 2

Existe uma antiga história sufi: aconteceu de uma bruxa ir a uma capital, ela jogou alguma coisa dentro do poço, entoou um mantra e disse: "Quem beber da água deste poço vai enlouquecer." A cidade tinha apenas dois poços: um para a população comum, e outro no palácio para o rei e o primeiro-ministro. É claro que as pessoas tiveram de beber da água, cientes de que ficariam loucas. Mas não havia outra maneira -- aquele provavelmente era o único poço. Elas não tinham a permissão de ir ao palácio para conseguirem a água de lá. Então a cidade inteira à noite, quando o sol estava se pondo, ficou louca, Mas ninguém percebeu, porque, quando todo mundo fica louco, como você pode perceber? Como os hippies dizem, cada um estava fazendo suas próprias coisas. As pessoas estavam dançando nuas, chorando, gritando; as mulheres corriam nuas pelas ruas. As pessoas estavam fazendo todos os tipos de ioga... uma pessoa de cabeça para baixo, outra fazendo outros ássanas -- a cidade toda estava em um pesadelo.

Havia muita alegria. As pessoas comemoravam, pulavam e gritavam – a cidade toda estava acordada! Apenas o rei e o primeiro – ministro estavam tristes, muito tristes: “O que fazer? A cidade toda ficou louca,e as pobres almas nem sequer percebem, pois quando todos estão loucos, como vão perceber?” Na verdade, o rei e o primeiro – ministro suspeitavam de sua própria sanidade. Talvez a loucura tivesse ocorrido para os dois, porque a cidade toda parecia alegre e alheia.Milhares de pessoas, todas loucas, e ninguém pensava que os outros estavam loucos.Naquela cidade, é claro que o rei e o primeiro – ministro duvidaram de si mesmos: talvez a loucura tivesse acontecido para eles! E à meia-noite, surgiu um grande problema, porque a cidade toda se reuniu e todos ficaram sabendo que alguma coisa tinha acontecido de errado com o rei e o primeiro-ministro. Havia um rumor de que os dois tinham enlouquecido. E, é claro, todos concordaram.

As pessoas cercaram o palácio. Os guardas estavam loucos, a policia estava louca, o exército estava louco, então não havia proteção alguma, e começaram a exigir: "Ou vocês voltam ao normal, ou nós vamos tirá-los do poder." "O rei perguntou:O que fazer?” O primeiro-ministro disse: “Converse com eles,e eu vou correr para pegar um pouco de água do poço, porque agora não resta outra maneira. Nesse lugar de loucos, se quisermos sobreviver, teremos de ser loucos. Ele buscou um pouco de água no poço da cidade. Os dois beberam dela, ambos começaram a dançar, tiraram suas roupas—e a cidade inteira ficou feliz ao ver que o rei e o primeiro-ministro tinham voltado ao normal, que eles tinham recobrado a sanidade.

17 outubro 2014

Quando as águas foram mudadas

Certo dia, faz muito tempo, Khidr, o mestre de Moisés, dirigiu uma advertência ao gênero humano. Numa data determinada, declarou, todas as águas do mundo que não tenham sido especialmente guardadas desaparecerão. Serão então renovadas com uma água diferente e que fará os homens enlouquecerem.
Somente um homem prestou atenção à advertência. Recolheu bastante água e armazenou-a em lugar seguro, esperando que as águas mudassem de características.
No dia indicado as torrentes deixaram de correr, os poços secaram, e o homem que dera ouvidos à advertência, vendo o que ocorria, foi a seu refúgio e bebeu da água guardada no pequeno reservatório.
Quando notou, lá de seu abrigo, as fontes jorrarem novamente, desceu da colina e foi misturar-se aos outros homens. Comprovou que estavam pensando e falando de um modo inteiramente diverso do anterior, nem sequer tinham lembrança do que acontecera, tampouco de terem sido alertados por Khidr. Quando tentou dialogar com eles, percebeu que o julgavam louco, tratando-o com hostilidade ou compaixão, ao invés de compreendê-lo.
De início ele não bebeu da água renovada, retornando a seu refúgio e servindo-se diariamente da água que guardara. Mas, finalmente, resolveu beber da nova água por não poder suportar mais a tristeza de seu isolamento, comportando-se de maneira diferente dos demais. Bebeu a nova água e se tornou igual aos outros. Então se esqueceu inteiramente de tudo que se referia à água especial que armazenara. E seus semelhantes passaram a encará-lo como a um louco que fora devolvido à razão milagrosamente.

Extraído de 'Histórias dos Dervixes'
Idries Shah
Nova Fronteira 1976

27 abril 2014

A Sorte de Catarina

Há muito tempo atrás, viveu um mercador muito rico e generoso, que possuía um palácio deslumbrante. O orgulho de sua vida era sua filha, uma linda criatura chamada Catarina. Catarina era alta e magra, com cabelos negros e olhos grandes e brilhantes. Suas mãos e seus pés eram pequenos e delicados, sua pele tão macia como as pétalas de uma rosa. No palácio havia tronos de ouro, turquesas enfeitavam cadeiras de prata, rubis as molduras dos quadros e diamantes as fontes de água. Tudo ao redor de Catarina era luxo e beleza. Pavões passeavam pelos jardins, flores desabrochavam em vasos pendurados nas árvores, em suma, o melhor que o dinheiro podia comprar. Um dia, quando Catarina estava andando pelo jardim, vestida numa longa túnica de seda bordada em finíssimas pérolas, com um capuz do qual pendiam outras tantas fileiras de pérolas, uma dama de aparência elegante surgiu à sua frente. Havia algo de notável nessa mulher, seus olhos eram muito penetrantes e escuros, suas roupas pareciam não ser nada além de cortinas luminosas. - Catarina, minha querida criança, disse a dama, o que você prefere: gostaria de gozar sua vida na sua juventude ou gostaria de gozá-la na sua velhice? Você tem somente essas duas escolhas. Catarina pensou por um momento e então falou: - Se eu tiver o meu prazer agora, sofrerei por isto nos meus últimos anos? E a dama alta respondeu: Sim. - Mas como é que você sabe ? perguntou Catarina, que continuava a ponderar sobre a questão. - Porque eu sou a sua Sorte, respondeu a aparição. - Oh, então eu terei a minha boa fortuna na minha velhice, disse Catarina. - Muito bem, que assim seja, disse a sua Sorte, e desapareceu. Catarina nada pensou a respeito desse encontro e retornou até sua casa para trocar suas roupas por outras ainda mais finas. Mas alguns dias depois algumas coisas terríveis começaram a acontecer. Uma grande tempestade se abateu sobre o mar. O pai de Catarina estava esperando seus navios voltarem de um país estrangeiro, carregados de ricas mercadorias, mas todos eles foram mandados para o fundo do oceano pela tormenta. Seus armazéns foram queimados por um misterioso fogo; então, quando ele decidiu preparar novos navios, nada havia para colocar dentro deles. Ele alugou seus barcos a um duque, que queria acompanhar um príncipe que seguia para a guerra, mas todas as naus foram afundadas num encontro com piratas. Os homens do duque foram mortos e o próprio duque ficou sem um tostão. Ladrões arrombaram a casa e roubaram todas as joias de Catarina; suas roupas foram então vendidas para que eles tivessem o que comer por mais algum tempo. Por fim, infeliz e doente, o pai de Catarina morreu, deixando-a só no mundo. Sem dinheiro e com roupas muito simples, Catarina decidiu abandonar essa cidade que havia lhe trazido tanta má sorte e encontrar, se possível, algum trabalho num outro lugar. Então ela disse adeus à cidade onde nascera e começou sua longa e penosa marcha. Finalmente alcançou uma aristocrática cidade longe de seu próprio país, e parou um instante no meio da rua, imaginando aonde ir. Tinha um pouco de dinheiro, que uma antiga ama havia lhe dado, e estava pensando aonde poderia comprar um pouco de pão. Uma senhora de boa posição, olhando para fora de sua janela, viu-a e chamou-a: - Quem é você, minha querida, e de onde vêm? Você não é dessa parte do mundo. - Senhora; estou sozinha no mundo, pois meu pai, que um dia foi um rico mercador, morreu. Procuro um lugar onde possa comprar um pouco de pão. - Venha para minha casa, eu preciso de uma criada e você desempenhará essa função muito bem, disse a nobre senhora; e Catarina entrou agradecida na enorme construção. A senhora afeiçoou-se muito a ela, e lhe confiava todos os seus bens. Um dia a dona da casa lhe disse: - Preciso sair por um momento; feche bem a porta e não deixe ninguém entrar ou sair até que eu volte. Então Catarina fechou a porta e sentou-se perto do fogo. Mas a nobre senhora havia saído, a porta se abriu e sua Sorte entrou. - Olhe, aí está você, Catarina! Gritou sua Sorte asperamente. - Arranjou um bom lugar para ficar, não é mesmo? Bem, você não pode escapar de mim dessa maneira, sabe... E começou a atirar no chão todos os objetos de valor da dona da casa, quebrando vidros e porcelanas, rasgando em pedaços linhos caríssimos. - Oh, não, não, não!!! Gritou Catarina. - Isso vai me causar problemas terríveis! A senhora confia em mim!! - Ela confia? Zombou sua sorte. - Bem, então explique isso quando ela voltar... E transformou a longas cortinas de seda em farrapos. Catarina colocou as mãos no rosto e fugiu, correndo da casa, sem nunca olhar para trás, no caso de sua sorte estar lhe seguindo. Mal ela acabara de sair, sua Sorte colocou tudo novamente como estava antes e desapareceu. Quando a senhora retornou, a casa estava perfeitamente arrumada, mas Catarina tinha ido embora. A senhora chamou e chamou, mas claro que a pobre garota não ouviu, pois estava já muito longe. A dama examinou tudo, pensando que talvez Catarina a tivesse roubado, mas nada estava lhe faltando. Ela não podia entender o que acontecera, pois a garota parecia ser de toda confiança. Ora, a pobre Catarina correu até alcançar outra cidade e, ao procurar um lugar onde pudesse comprar um pouco de pão, outra senhora que estava parada na janela a notou. A dama abriu a janela e lhe falou: - De onde você é e o que faz neste lugar, já que é obvio que está perdida? - Sou uma pobre garota de longe e procuro algo para comer, pois tenho muita fome, respondeu Catarina. - Bem, venha para minha casa, disse a dama. - Eu vou alimentá-la, vesti-la, e arranjar-lhe um lugar entre a minha criadagem. Então, Catarina entrou. Mas a mesma coisa aconteceu, como antes. Assim que ela se estabeleceu na casa e todos os valores lhe foram confiados, sua Sorte apareceu e criou o caos em apenas alguns segundos. - Você pensa que há algum lugar nesse mundo onde eu não seja capaz de encontrá-la ? gritou sua sorte asperamente, derrubando frascos de incenso de valor incalculável que se espatifaram no chão. Catarina colocou as mãos no rosto e correu. E assim foi durante sete anos. Cada vez que Catarina era acolhida por alguma simpática senhora, o aparecimento de sua Sorte fazia com que ela tivesse que partir em viagem, infinitamente, parecia-lhe. Mas ela nunca conseguia escapar por muito tempo. Porém, - e isto Catarina não sabia – sua Sorte sempre restaurava tudo à antiga forma, no mesmo minuto em que Catarina desaparecia. Bem, sete anos se passaram e quando Catarina estava trabalhando para uma senhora nobre, muito bondosa de coração, parecia que sua Sorte quase havia se esquecido dela. Dia após dia Catarina cuidava da casa, e tudo dava certo para ela. No entanto, a tensão era muito grande, pois a cada hora ela esperava que a porta se abrisse e sua Sorte aparecesse. Todo dia ela devia ir à montanha para sua patroa, com uma cesta repleta dos mais finos pães e queijos. Uma figura alta e digna pegava a cesta de suas mãos graciosamente a cada dia e, após cumprimentá-la, desaparecia na caverna. Um dia sua senhora patroa lhe disse: - Sempre procuro ganhar as boas graças de minha Sorte dessa maneira. Se eu não lhe enviar pão fresco e queijo, tremo só em pensar o que ela poderia causar-me. Nesse momento, Catarina começou a chorar, incapaz de esconder sua dor, pois ela havia sofrido muito nesses últimos sete anos, e não conseguia continuar escondendo sua tristeza. - Minha querida criança, o que está acontecendo com você? Conte-me logo! Gritou a nobre senhora, colocando sua mão no ombro de Catarina. Então Catarina contou-lhe a história da crueldade de sua sorte, e completou: - Penso que não posso continuar nessa angústia, esperando que ela apareça a qualquer momento e transforme tudo em pedaços, como já fez tantas vezes. Na verdade, quero ir embora daqui logo, pois dessa forma não trarei a destruição de minha sorte para esta casa. - Agora, deixe-me pensar num plano, disse a nobre mulher, balançando a cabeça. - Sim, já sei! Quando você for à montanha levar o pão para minha Sorte, conte-lhe sua história e apele para que ela tenha uma palavrinha com a sua Sorte, para que deixe de atormentá-la dessa maneira. Tenho certeza de que minha Sorte, que é bondosa, ajudará. Assim, no dia seguinte, quando Catarina foi até a montanha levar a cesta para a Sorte de sua senhora, pediu para que ela intercedesse junto à sua própria Sorte. - Bem, sua Sorte está dormindo debaixo de sete cobertores nesse momento, disse a sorte de sua patroa. Mas quando você vier amanhã, eu a levarei junto comigo até ela, pois deve estar acordada. Catarina foi embora cheia de esperanças e dormiu esta noite quase que completamente em paz. Ao levar o pão à montanha na manha seguinte, a Sorte de sua senhora levou-a até a sua própria Sorte, que estava deitada numa grande cama, enfiada até os olhos debaixo de sete cobertores de pena. - Bem, irmã, aqui está Catarina, disse a Sorte de sua nobre senhora. - Pare de atormentá-la desse jeito, deixe-a um pouco em paz agora, eu lhe peço. Sua sorte disse apenas: - Aqui está uma meada de seda, ela lhe será muito útil, cuide dela com carinho. Agora me deixe descansar. E desapareceu debaixo dos cobertores. Intrigada com isso, Catarina voltou para casa. Sua patroa estava ansiosa para saber o que acontecera, mas a história que Catarina lhe contou não parecia ter nem pé nem cabeça. - Essa seda não vale muita coisa, mas é melhor você guardá-la. Ela lhe deve ser útil, como sua Sorte disse, falou a nobre mulher. O rei daquele país, que era jovem e extremamente bonito, estava para se casar. O alfaiate real estava muito constrangido, pois descobriu que, em todo o reino, não se encontrava seda da cor apropriada em quantidade suficiente para costurar o traje de núpcias do rei. - Lancem uma proclamação, disse o Rei. Preciso que minha roupa fique pronta a tempo. Enviem-na aos quatro países que fazem fronteira com meu reino e aos quatro cantos dos meus domínios! Qualquer pessoa que tiver seda dessa cor deve trazê-la até a corte e eu a recompensarei generosamente. A nobre senhora ouviu a proclamação e veio contar para Catarina: - Catarina, minha criança, coloque este vestido e leve esta meada de seda até a corte. É exatamente a cor que o alfaiate está procurando, ela gritou excitada. - Tenho certeza que você será generosamente recompensada. Quando Catarina apareceu na corte e se postou diante do trono, o jovem rei achou-a tão bela que não conseguiu desgrudar os seus olhos daquele rosto. - Sua majestade, disse Catarina, será que esta seda é adequada para seu traje de núpcias? - Você será paga com puro ouro por ela, disse o Rei. Tragam a balança e pesaremos essa meada. Seja qual for o seu peso, você receberá o mais fino ouro do meu reino por ela. Trouxeram a balança, mas não importava quanto ouro fosse colocado, a meada sempre continuava pesando mais. O rei mandou trazer mais balanças, maiores que primeira, e despejou todo seu tesouro nelas, mas a meada de seda continuava pesando mais. Então, no auge da exasperação, e rei tirou a coroa de sua cabeça e colocou-a na balança. No mesmo instante a balança se equilibrou e o rei sorriu. - Onde você conseguiu essa seda, minha querida? Ele perguntou a Catarina. - De minha Patroa, disse Catarina. - Impossível! Gritou o rei. Que tipo de mulher é sua patroa para possuir uma seda mágica como essa? Então Catarina contou ao rei tudo o que havia lhe acontecido, e ele tomou-lhe as mãos entre as suas: - Vou me casar com você em vez de com a jovem à qual eu havia sido prometido. Ele disse e assim aconteceu. Daí em diante, Catarina, que tinha sofrido tanto em sua juventude, viveu até se tornar uma senhora bem velhinha, e foi feliz até o momento de sua morte como rainha desse longínquo país. Extraído de 'World Tales', Idries Shah, Octagon Press.

31 março 2014

O Jantar do Mágico

Era uma vez um mágico que tinha construído sua casa perto de um próspero vilarejo.

Um dia ele convida toda a população para jantar. “Antes de comer - anuncia ele a seus hóspedes - nós vamos nos divertir um pouco”.

As pessoas ficaram felizes. O mágico apresenta-lhes um número de prestidigitação de primeira linha. 

Os coelhos saltavam das cartolas, echarpes coloridas surgiam do nada, uma coisa se transformava em outra... A platéia estava maravilhada...
Então o mágico lhes pergunta: “Vocês querem jantar agora ou desejariam ver outros truques?”

Todos, unânimes, pedem mais pois eles nunca haviam visto nada igual: comida se tinha em casa, mas eles nunca, em toda a sua vida, haviam vivido nada de tão excitante.

Quando o mágico se metamorfoseia em pombo depois em falcão e, máximo da magia, em dragão, foi um delírio.

Ele novamente lhes faz a mesma pergunta e os cidadãos respondem da mesma forma pois queriam mais. E eles tiveram mais.

Depois ele os pergunta se queriam comer, e eles responderam que sim.

Então o mágico, graças a seus poderes mágicos, os faz crer que eles estavam comendo, desviando as atenções com todo tipo de estratagema.

A comida imaginária e os divertimentos prosseguiram por toda a noite. Quando a aurora se levanta, certas pessoas falaram: “Agora temos que ir trabalhar.”

Então o mágico os fez imaginar que eles voltavam à suas casas, se preparavam para ir ao trabalho e cumpriam efetivamente suas necessidades diárias.

Bem, cada vez que um do seus convidados declarava ter alguma coisa a fazer, o mágico o fazia primeiro acreditar que ele ia fazer, depois que ele havia feito e, finalmente, que ele tinha voltado para casa do mágico.

Este mágico acaba exercendo um tão poderoso domínio sobre os habitantes do vilarejo, que eles só trabalhavam para ele, o mágico, e acreditavam cumprir normalmente suas obrigações diárias. Cada vez que eles ressentiam uma leve inquietude, ele os levava a crer que eles tinham vindo ainda uma vez mais jantar na casa dele e isto os agradava e ao mesmo tempo os fazia esquecer.
E como tudo isto termina?

Acreditem que não posso dizer-vos porque o mágico ainda está muito ocupado no seu papel de  mágico e a maior parte das pessoas estão ainda enfeitiçadas por ele.

26 agosto 2013

A Farmácia Cósmica de Nasrudin


Nasrudin estava desempregado. Perguntou, então, a alguns amigos que tipo de profissão deveria seguir.
“Bem, Nasrudin,” disseram, “você é muito capaz e conhece bastante as propriedades medicinais das ervas. Poderia abrir uma farmácia.”
Nasrudin foi para casa, pensou e disse para si mesmo: “sim, acho que é uma boa idéia. Acho que sou capaz de fazer isso.”
Naturalmente, sendo Nasrudin, nessa ocasião em particular passava por um de seus momentos de desejar ser proeminente e importante. Assim, pensou: “Não abrirei apenas uma loja de ervas ou uma farmácia que lide com ervas; abrirei algo grandioso e que cause um forte impacto”.
Comprou uma loja, instalou prateleiras e armários e quando chegou a hora de pintar a fachada, montou um andaime, cobriu-o com chapas e trabalhou atrás delas. Não deixou que ninguém visse o nome que daria à farmácia ou como a fachada estava sendo pintada.
Após vários dias, distribuiu folhetos que diziam: “Grande inauguração, amanhã às nove horas”.
Todos de sua aldeia e das aldeias vizinhas vieram e ficaram esperando em frente à nova loja. Às nove horas, Nasrudin apareceu, retirou a placa da frente e lá estava um enorme cartaz onde se lia: “Farmácia Cósmica e Galáctica de Nasrudin” e abaixo estava escrito: “Influenciada e harmonizada com influências planetárias”.
Muita gente ficou impressionada e ele fez um ótimo negócio naquele dia.
Ao anoitecer, um professor local aproximou-se de Nasrudin e lhe disse: “Francamente, essas alegações que você faz são um pouco duvidosas”.
“Não, não”, respondeu Nasrudin, “cada alegação que faço sobre influência planetária é absolutamente correta. Quando o sol se levanta, abro a farmácia e quando o sol se põe, eu fecho.”
Portanto, podem haver diferentes interpretações sobre quanto a influência planetária afeta alguém e sobre o quanto dessas influências alguém recebe ou usa.


Extraído do livro: Histórias da Tradição Sufi

01 agosto 2013

Na rua dos Perfumistas!


Um varredor, enquanto caminhava pela rua onde havia muitas perfumarias, caiu de repente ao solo como morto. Transeuntes procuraram reanimá-lo com deliciosos aromas, mas só conseguiram faze-lo piorar.

Por fim apareceu ali um ex-varredor, que compreendeu logo a situação. Manteve sob as narinas do homem caído algo de muito sujo e o varredor logo se recuperou, exclamando:

- Isto sim é que é perfume!!

Devem todos preparar-se para a fase de transição em que não haverá nenhuma das coisas a que estão acostumados. Após a morte, vossa identidade deverá responder a estímulos sobre os quais tendes oportunidade de indagar aqui.

Se permanecerem aferrados às poucas coisas que lhes são familiares, isto só os fará infelizes, como o varredor sobre o qual o aroma de perfume não fez efeito, na rua dos perfumistas.

A parábola fala por si mesma. Ghazali a utiliza em "A Alquimia da Felicidade", escrita no século XI, para enfatizar o ensinamento sufi de que somente algumas das coisas cuja existência nos é familiar tem afinidades com a "outra dimensão".


Extraído de
'Histórias dos Dervixes'
Idries Shah
Nova Fronteira 1976

24 maio 2013

O lobo e o cão


Um lobo que só tinha pele e osso
Porque na mata andava escasso o pão,
encontra um Dogue forte, ebelto, grosso.
Que errava por ali, por simples distração.
Atacá-lo, deixá-lo despedaçado.
Mestre Lobo o faria de bom grado
Não fosse o medo de apanhar.
Mas queria saber como ele fez,
Qual o processo, o métido a cuidar,
Pra tamanha robustez.
Por isso o aborda, humildemente.
E o cão o atende, cortesmente:
- "Só depende de você, ó senhor Lobo,
Ser tão grande como eu, se belo e forte.
Deixai as matas, não sejais tão bobo,
Somente assim tereis um invejável porte.
Sabeis que não tem vida aquele que não come.
Vossos irmãos, por isso, em louco desatino,
Acabam todos a morrer de fome.
Nesta mata não há comida grátis,
Tudo se obtrém a troco de combates.
Segui-me, vós tereis um bem melhor destino."
E o Lobo perguntou - "Que é preciso que eu faça?"
- Ah!, muito pouco: - respondeu o cão -
Aos de fora, fazer brava ameaça.
Defender os de casa e adular o patrão.
E, em pagamento, vós recebereis
Restos de bóia variada e boa,
Ossos de frango e ossos de leitoa,
Sem falar da carícia que tereis."
O Lobo já vislumbra uma vida encantada
E sonha com comida, e treme de emoção.
Porém durante a caminhada.
Viu que tinha um pelado o pescoço do cão,
E assustado indagou: " Que é isso?" - "Não é nada".
- "Como? Nada? Julgais que nisso posso crer?"
- "A coleira que em mim ficava amarrada
Seria a causa talvez, do que acabais de ver"
- "Preso? Tendes então a liberdade morta?"
Ganhais comida em troca de prisões?
Não sois livre?" - "Nem sempre que importa?"
- "Que importa? - perguntou todo assustado -
Guardai as vossas ricas refeições
Porque prefiro a fome e a liberdade
A ter que bajular e andar acorrentado."
Mestre Lobo, com grande agilidade,
Estica a perna em correria infinda.
E todos falam que ele corre ainda.

Jean de la Fontaine