19 novembro 2010

O presságio

O rei estava de mau humor. Quando saía do palácio para caçar, esbarrou em Nasrudin.
- É um mau presságio ver um mulá quando se vai caçar - gritou para seus guardas. Não deixem que ele me olhe, batam nele para que saia do meu caminho!
A ordem foi cumprida. A caçada, porém, foi um sucesso.
O rei mandou buscar Nasrudin.
- Sinto muito mulá. Pensei que era um mau presságio, mas comprovei que não é bem assim.
- Vossa Majestade pensou que eu era um mau presságio! - disse Nasrudin - Olha-me e tem boa sorte. Eu o olho e levo uma surra. Quem é mau presságio para quem?

18 novembro 2010

O Principe, o Mestre e a Águia

Era uma vez uma rainha cujo marido havia morrido quando o seu filho tinha somente 05 anos. Ela foi então nomeada regente do reino até que seu filho completasse 18 anos e fosse capaz de governar.
O único defeito da rainha era que amava demasiadamente seu filho, Hasan, e lhe permitia fazer qualquer coisa que desejasse. E assim, apesar de ser uma boa monarca, seu filho ficava mais e mais teimoso e cheio de caprichos à medida que crescia.
Um dia a rainha chamou seu grão-vizir e lhe disse:
- Diga-me francamente o que posso fazer com meu filho.
É insolente, orgulhoso e muito difícil de controlar. Que posso fazer para corrigir os seus defeitos agora, antes que seja demasiado tarde?
O vizir respondeu:
- Coloque o príncipe aos cuidados de um mestre, e assim ele poderá adquirir sabedoria.
- Onde há um mestre que possa ajudar meu filho? – perguntou a rainha.
- Neste momento se encontra na cidade um velho homem sábio que dirige Al Azhar, a universidade do Islã. Irei falar-lhe, direi que o príncipe necessita de seu ensinamento, e talvez ele queira vir.
- Traga-o imediatamente, se puder – disse a rainha.
Então o vizir partiu, e logo retornou com o mestre, que tomou o príncipe sob os seus cuidados.
Todos os dias o ancião e o menino se sentavam para estudar e ler.
O mestre lhe contava sobre as maravilhas do mundo, da sabedoria do sagrado Corão e da ciência exata da álgebra.
Todas as semanas a rainha mandava buscar o mestre e perguntava:
- Como está progredindo meu filho?
O mestre sacudia a cabeça e se retirava.
Um dia a rainha perguntou:
- Meu filho agora está progredindo, mestre?
- Ele ainda não aprendeu que um príncipe deve ser humilde, que um rei é um servidor de seu povo e que não há poder a não ser em Deus.
- O que podemos fazer? – perguntou a rainha.
- Majestade, deixe-me levá-lo para viajar comigo – disse o mestre. – Se pudermos estar mais perto da natureza talvez isso ajude a mudar o seu caráter.
A rainha aceitou, e os dois partiram vestidos com roupas simples como as que usam os andarilhos.
No fim do primeiro dia de viagem, quando se sentaram para fazer café ao lado de um pequeno fogo, dois pássaros apareceram como o nada, pousaram sobre o alforje do ancião e começaram a gorjear.
- Faz muitos anos que aprendi a linguagem dos pássaros – disse o mestre, - mas agora me arrependo de tê-lo feito.
- Por que? – perguntou o príncipe.
A principio o mestre não queria explicar a Hasan o que os pássaros haviam dito, mas o menino insistiu tanto que afinal ele falou:
- O primeiro pássaro estava dizendo que no tempo em que fores rei haverá grande regozijo entre os pássaros que comem frutas, pois os jardins e os hortos serão abandonados e os pássaros poderão alimentar-se em paz. Ninguém os incomodará porque todo o povo destas terras terá ido embora. Ninguém quererá viver sob um reinado tão impopular.
- Que dizia o outro pássaro? – perguntou Hasan.
- O segundo pássaro disse que ele também ficara contente, pois haverá muitos gafanhotos para comer. Não haverá gente suficiente para atear fogo nos campos e afugentar os gafanhotos quando eles chegarem – foi a resposta do mestre.
No dia seguinte chegaram a um oásis onde os camelos estavam bebendo. Quando os viajantes tiraram os seus cantis os camelos começaram a fazer ruídos, como resmungos, entre si. O ancião sorriu ao escutá-los.
O que estão dizendo os camelos? – perguntou o príncipe.
A principio o mestre não quis responder, mas Hasan insistiu e finalmente conseguiu que falasse:
- Eles estão se queixando porque quando fores rei haverá tanta gente aqui dando de beber aos animais e preparando-se para abandonar o país para viver em outro lugar que será muito difícil para eles virem beber – disse o mestre.
O príncipe e o ancião seguiram viajando por alguns dias até que pararam ao pé de uma montanha muito alta onde, sobre uma ponta rochosa, havia um ninho e filhotes de águia.
Ao aproximar-se, puderam ouvir a águia piando a seus filhotes, e o ancião traduziu:
- Ela está dizendo a seus filhotes que quando ficarem adultos e tu estiveres no trono deverão caçar ovelhas nos reinos vizinhos, pois as daqui estarão magras e fracas. As cobras e as lagartixas tomarão sol entre as ruínas da tua capital, e a grande mesquita estará vazia às sextas-feiras, quando tu fores rei. A menos...
O mestre parou de falar, mas Hasan lhe disse:
- Por favor, dize-me o que disse a águia.
- Ela disse que se corrigires tua conduta agora, e melhorares dia a dia, então teu nome será querido e teu reino será grande e feliz.
O príncipe não falou, mas o mestre viu que ele estava refletindo sobre tudo que havia ocorrido.
- Voltamos agora ao palácio para continuarmos com nossos estudos? – perguntou o mestre.
Hasan concordou.
Regressaram pelo mesmo caminho que tinham ido, e o mestre se alegrava em ver que seu aluno era a cada dia mais amável e reflexivo. Finalmente Hasan parecia haver compreendido o que significavam as suas lições e agora realmente se esforçava por aprender.
O ancião foi ver a rainha e falou:
- Agora eu posso partir, pois o príncipe está se preparando para transformar-se em rei. Será um bom soberano, porque agora sabe que antes de poder governar os outros ele deve ser capaz de governar a si mesmo.
A rainha, encantada, ofereceu-lhe um posto na corte, mas ele disse:
- Não. Tenho que continuar meu caminho, pois ainda tenho muito trabalho a fazer.
Quando chegou o tempo em que se tornou rei, Hasan recordou as coisas que seu mestre lhe havia ensinado, e governou bem e sabiamente até o final de sua vida.
Extraido do livro: Historias da Tradição Sufi
Ed.: Dervish

O Visitante de Longe

Uma vez, de um mundo que está além das estrelas, um homem saiu do país da Luz, para resgatar da Terra uma jóia preciosa que estava sob a guarda de uma perigosa serpente.
Quando chegou ao país onde estava a jóia, mudou as feições do rosto com o objetivo de que as pessoas do lugar não percebessem que vinha de outra parte e se pusessem na defensiva. Mas, como tinha que se alimentar como eles e estava em sua atmosfera, caiu também em estado de sono e esqueceu sua missão.
Encontrou outras pessoas que o reconheceram e o advertiram, mas não conseguiu evitar isso.
Agora, no país da Luz, seu pai se deu conta do que acontecera a seu filho e enviou-lhe depressa uma mensagem, dizendo-lhe que despertasse e continuasse sua tarefa.
A mensagem sacudiu o homem, em cuja mente começou a aflorar a lembrança de sua origem. Acordou. Resgatou a jóia e matou a serpente.
Depois, voltou e mudou as feições do rosto de acordo com as pessoas do país da Luz. Quando chegou em casa, reconheceu suas origens com maior clareza do que quando vivia aí.

Extraído de 'O Sufismo no Ocidente'
Edições Dervish 1984

17 novembro 2010

O anuncio...

Nasrudin postou-se na praça do mercado e dirigiu-se à multidão:

“Ó povo deste lugar! Querem conhecimento sem dificuldade, verdade sem falsidade, realização sem esforço, progresso sem sacrificio?”

Logo juntou-se um grande número de pessoas com todo mundo gritando:

“Queremos, queremos!”

“Era só pra saber”, disse o mullá. “Podem confiar em mim, contarei a vocês tudo a respeito caso algum dia descubra algo assim.”

30 outubro 2010

O Kashkul

Conta-se que um dia um dervixe deteve um rei em plena rua.

- Como te atreves – disse o rei, - tu, um homem insignificante, a interromper os passos de teu soberano?

- E tu - replicou o dervixe, - como podes ser um soberano se nem ao menos consegue encher meu ‘kashkul’, a tigela que uso para mendigar?

Ele ergueu o ‘kashkul’ e o rei ordenou que o enchessem de ouro. Mas à medida que o enchiam de moedas elas desapareciam, e o ‘kashkul’ parecia estar sempre vazio. Trouxeram-lhe fardos de ouro, e a surpreendente tigela os devorava.

- Parem! – gritou o rei. – Este ilusionista está esvaziando meu tesouro.

- Tu achas que estou esvaziando teu tesouro – observou o dervixe, - mas outros acham que estou simplesmente demonstrando uma verdade.

- Que verdade? – perguntou o rei.

- A verdade de que ‘kashkul’ representa os desejos do homem, e o ouro o que se dá ao homem. A capacidade do homem para devorar não tem fim se ele não se transformar. Olha, o ‘kashkul’ comeu quase toda a tua riqueza, mas continua sendo uma casa de coco cortada, não se alterou em nada pela natureza do ouro. Se desejas, entra no ‘kashkul’ – continuou o dervixe. – Ele te devorará também. Como, diante disso, pode um rei pensar que é importante?

Extraído do livro: ”Historias da Tradição Sufi

13 setembro 2010

Um Noviço Reclama a Seu Sheik Das Tentações Do Demônio

Um homem negligente foi queixar-se das tentações do demônio a um sheik que jejuava: "O diabo, esse ladrão de estradas, obstruiu para mim o caminho, roubou-me a fé e aniquilou em mim a religião". O jejuador lhe disse: "Meu jovem, pouco antes de ti o demônio fez o mesmo caminho até aqui para reclamar. Estava aflito e contrariado, lançando pó sobre a cabeça por causa de tua injustiça para com ele. 'Meu domínio é o mundo', eu o ouvi dizer, 'e aquele que é inimigo do mundo não está sob minha dependência. Diz a esse novo peregrino do caminho de Deus que retire suas mãos do que é meu. Se eu o ataco é porque a todo momento seus dedos esbarram em meus negócios. Se ele me deixar em paz poderá seguir livre o seu caminho'".

O diabo colocou suas mãos sobre minha vida temporal, porém deixou livre a via do espírito; assim, tomei a firme resolução de ser fiel a religião.

Extraído do livro: "A Linguagem dos Passáros" de Attar

20 agosto 2010

As Longas Colheres

Uma vez, num reino não muito distante daqui, havia um rei que era famoso tanto por sua majestade como por sua fantasia meio excêntrico.

Um dia ele mandou anunciar por toda parte que daria a maior e mais bela festa de seu reino. Toda a corte e todos os amigos do rei foram convidados.

Os convidados, vestidos nos mais ricos trajes, chegaram ao palácio, que resplandecia com todas as suas luzes.

As apresentações transcorreram segundo o protocolo, e os espetáculos começaram: dançarinos de todos os países se sucediam a estranhos jogos e aos divertimentos mais refinados.

Tudo, até o mínimo detalhe, era só esplendor. E todos os convidados admiravam fascinados e proclamavam a magnificência do rei.

Entretanto, apesar da primorosa organização da festa, os convidados começaram a perceber que a arte da mesa não estava representada em parte alguma.

Não se podia encontrar nada para acalmar a fome que todos sentiam mais durante à medida que as horas passam.

Essa falta logo se tornou incontrolável.

Jamais naquele palácio nem em todo o país aquilo havia acontecido.

A festa não parava de esforçar-se para atingir o auge, oferecendo ao público uma profusão de músicos maravilhosos e excelentes dançarinos.

Pouco a pouco o mal-estar dos espectadores se transformou numa surda mas visível contrariedade.

Ninguém no entanto ousava elevar a voz diante de um rei tao notável.

Os cantos continuaram por horas e horas. Depois foram distribuídos presentes, mas nenhum deles era comestível.

Finalmente, quando a situação se tornou insustentável, e a fome intolerável, o rei convidou seus hóspedes a passarem para uma sala especial, onde uma refeição os aguardava.

Ninguém se fez esperar. Todos, como um conjunto harmonioso, correram em direção ao delicioso aroma de uma sopa que estava num enorme caldeirão no centro da mesa.

Os convidados quiseram servir-se, mas grande foi sua surpresa ao descobrirem, no caldeirão, enormes colheres de metal, com mais de um metro de comprimento. E nenhum prato, nenhuma tigela, nenhuma colher de formato mais acessível.

Houve tentativas, mas só provocaram gritos de dor e decepção. Os cabos desmesurados não permitiam que o braço levantasse à boca a beberagem suculenta, porque não se podiam segurar as escaldantes colheres e não ser por uma pequena haste de madeira em suas extremidades.

Desesperados, todos tentavam comer, sem resultado. Até que um dos convidados, mais esperto ou mais esfaimado, encontrou a solução: sempre segurando a colher pela haste situada em sua extremidade, levou-a à... boca de seu vizinho, que pôde comer à vontade.

Todos o imitaram e se saciaram, compreendendo enfim que a única forma de alimentar-se, naquele palácio magnífico, era um servindo ao outro.