06 março 2015

O vendedor de contas

Era uma vez um vendedor de contas que tinha uma linda mulher chamada Kubra. Numa sexta feira, Mahbub, pois este era o seu nome, estava vendendo sua mercadoria na praça em frente ao palácio quando o sultão chegou à janela e viu Kubra ao lado de seu marido. O véu esvoaçado deixava seu rosto à mostra, e os colares de contas pendentes de seus braços.
- Por minha fé! – exclamou o sultão. – Essa criatura tem as feições mais belas que já vi. Não existe outra igual a ela em todo o meu palácio. Quero me casar com ela.
E assim dizendo mandou chamar seu grão-vizir.
- Vizir - disse ele, - traga-me a mulher do vendedor de contas. Eu a quero aqui em meu palácio, e seu marido deve morrer.
- Que possa viver eternamente, ó sultão! – disse o vizir.
- Certamente arranjaremos um modo de nos livrarmos do vendedor de contas, mas não devemos matá-lo. O povo se insurgirá contra o senhor, e Vossa Majestade poderá ter que fugir. Por isso, se Vossa Majestade quiser me ouvir, posso sugerir um plano.
- Claro, vizir. Fale logo, sem omitir nenhum detalhe – disse o sultão.
- Soberano do Mundo – entoou o vizir. – Permite que o  vendedor de contas seja intimado a fazer uma cortina larga e cumprida o suficiente para ser pendurada atrás do trono. Caso ele se recuse a fazê-lo, nós lhe diremos que se não aprontá-la em sete dias pagará com sua própria vida. Ele certamente recusará, pois como poderia um simples vendedor de contas fabricar uma cortina para o palácio do sultão? Dessa forma ele será obrigado a fugir do país, e então poderemos trazer sua esposa para sua Majestade em perfeita segurança.
- Excelente! – riu o sultão. – Ponha imediatamente o plano em andamento.
Assim, enquanto Mahbub estava anunciando:
- Contas! Contas! Comprem minhas contas de Bokhara, contas de Damasco...
O grão-vizir se aproximou e tocou de leve o vendedor de contas com sua bengala de ouro.
Enquanto Mahbub e sua esposa se ajoelhavam diante do dignatório da corte, aterrorizados pela proximidade de tal magnificência, o vizir disse:
- Venha comigo ao palácio imediatamente. O sultão incumbiu-me de designar-lhe uma tarefa que ele gostaria que você executasse.
- Eu? Executar uma tarefa para o sultão?! – exclamou Mahbub. – Mas como eu poderia fazer alguma coisa por Sua Majestade, o sultão?
- Deixe suas contas aí e siga-me – disse o dignitário da corte.
E Mahbub, entregando todas as contas para sua mulher, acompanhou o vizir.
No palácio o vizir levou o vendedor de contas até a sala do trono e mostrou-lhe a janela de treliças de sessenta metros de comprimento por sessenta metros de largura que ficava atrás do trono.
- Sua Majestade, Fonte de Sabedoria e Manancial do Conhecimento, decretou que você deve providenciar uma cortina para essa treliça atrás do trono – disse o vizir solenemente.
- Que Allah seja meu juiz – soluçou Mahbub. – Eu não sei tecer nem fiar, sou apenas um humilde vendedor de contas.
Como vou fazer tal coisa para Sua Auspiciosa Majestade?
- você tem sete dias para fazê-lo – disse o vizir. - Se ao final desse prazo não a tiver trazido para o palácio você deverá morrer.
E ele dispensou Mahbub com um aceno de mão.
Quando Mahbub voltou para o seu ponto de venda, sua mulher lhe perguntou:
- O que é que o sultão quer que você faça?
- Ele quer que eu lhe forneça uma cortina de muitos metros de comprimento e outros tantos de largura, mas nunca serei capaz de fazê-la em sete dias – disse Mahbub. – Assim sendo, deverei fugir para salvar minha vida ou serei executado.
Não tenha medo, marido – disse Kubra. – Eu lhe direi o que fazer.
E continuou, explicando que ela na verdade era irmã de uma djin, uma mulher-gênio que morava num poço.
- Vá até o poço perto do portão em ruínas – continuou – e grite para dentro dele: ´Ó irmã de Kubra, sua irmã a saúda. Dê-me, em seu nome, a roca de fiar mágica e o tear encantado, pois ela precisa deles`.
 Mahbub foi tão rápido quanto suas pernas permitam em direção ao portão em ruínas e falou as profundezas do poço:
- Ó irmã de Kubra, sua irmã a saúda. Dê-me, em seu nome, a roca de fiar mágica e o tear encantado, pois ela precisa deles.
Tão logo as palavras saíram de sua boca os objetos mencionados na beira do poço. Ele os pegou e os levou para sua mulher. Ela se trancou num quarto, e durante toda a noite ele a ouviu fiando e tecendo. Quando o primeiro galo cantou pela manha ela saiu do quarto, exausta, e ficou o dia todo dormindo. Assim, todos os dias, durante seis dias, ela dormia, e todas as noites, ele ouvia o som da roca e do tear. No último dia, quando os galos cantavam anunciando o amanhecer, Kubra saiu do quarto com uma cortina de sessenta metros de comprimento por sessenta metros de largura em seus braços, feita do mais lindo tecido azul-escuro, brilhante como o céu noturno, com mil estrelas. Mahbub a olhou com assombro e alegria.
- Ora mulher! – disse. – Que maravilha é essa? Essa cortina é digna das janelas de qualquer palácio. Que bênçãos recaiam sobre você, minha vida está salva.
Quando o Sol estava alto, Mahbub, vestindo suas melhores roupas, tomou o rumo do palácio e pediu para ser admitido à presença do sultão.
Ao ver o maravilhoso tecido, o vizir ficou verdadeiramente surpreso, e fez com que os servos reais pendurassem imediatamente a fabulosa cortina atrás do trono. Mahbub voltou para casa com uma bolsa cheia de ouro que o sultão lhe deu assim que viu a delicada textura daquele pano.
- E agora, o que faremos? – disse o sultão. – O vendedor de contas foi mais esperto do que nós. Não posso mais executá-lo, contudo não consigo esquecer a linda esposa desse miserável homem.
- Posso Vossa Majestade viver para sempre! – disse o vizir. – Lembrei-me de uma coisa que ele nunca poderá fazer.
Para tanto, dê-me mais uma semana e executaria meu plano.
No dia seguinte o vendedor de contas e sua mulher estavam mais uma vez mostrando suas mercadorias para os passantes quando, de novo, o grão-vizir se aproximou.
- Ó vendedor de contas, Sua Magnificente Majestade pediu-me para dize-lhe que se você não conseguir, em uma semana, uma criança de sete dias de idade capaz de contar-lhe uma historia em sua câmara de audiência sua vida estará perdida.
E assim dizendo, virou-se e partiu.
Dessa vez o vendedor de contas entrou em desespero.
- Mulher, mulher – gritou quase em lágrimas. – O sultão encarregou-me de uma tarefa impossível. Como posso encontrar em uma semana uma criança de sete dias de idade que seja capaz de contar-lhe uma historia em sua câmara de audiência? É uma sentença de morte, portanto esta noite devo fugir para salvar minha vida; e nunca mais verei você.
 - Ouça, marido – disse Kubra. – Lembre-se que minha irmã é uma djin. Ela não nos ajudou antes? Fique em paz, e daqui a sete dias vá mais uma vez ao poço.
- O que devo fazer? – perguntou ele.
- Vá como antes ao mesmo poço e diga: ‘ó irmã de Kubra, sua irmã a saúda! Envie seu filho de sete dias de idade, pois necessitamos dele por uma noite’.
Quase não conseguindo acreditar em sua mulher, o vendedor de contas encheu-se de paciência aguardando o término da semana, e então foi até o poço. Depois de falar o que sua esposa lhe havia ensinado, ele ouviu uma voz dizendo:
- Puxe o balde.
Assim ele fez, e para seu espanto viu que dentro dele havia um bebê envolto em fraldas. Mahbub levou-o para casa e disse à sua mulher:
- Aqui está a criança. O que devo fazer agora?
- Leve-a até a câmara de audiência – disse ela. – Pois o sultão e todos os cortesãos estão lá, e hoje é o sétimo dia.
Então Kubra falou o nome de Allah no ouvido da criança, e Mahbub partiu para o palácio.
Todos os cortesãos lhe deram passagem quando lá chegou.
O sultão, sentado em seu trono, observava com grande interesse enquanto colocavam o bebê numa almofada à sua frente.
- Como? Esse bebê pode falar? Ele tem sete dias de idade? – perguntou o vizir.
- Sim, Majestade – respondeu Mahbub. – Ele contará uma história ao Sultão Imperial logo que houver silencio.
Não se ouvia um único som na ampla câmara de audiências durante todo o tempo em que o bebê se esforçava para sentar-se. Logo, ele abriu a boca como se fosse falar.
- Bobagem! – disse o sultão. – Ele é muito pequeno, não será capaz de me contar nenhuma história. Ele não pode nem mesmo chorar.
Nesse momento a criança conseguiu sentar-se ereta na almofada, e dirigiu-se ao sultão.
- Ó Auspicioso Sultão, Fonte de Conhecimento! Posso falar?
O governante estava tão espantado que conseguiu apenas inclinar a cabeça em sinal de aprovação. A criança continuou:
- Era uma vez um homem que comprou um melão num bazar com uma moeda de cobre. Ao abri-lo descobriu que dentro dele havia uma cidade, de forma que desceu até ela e começou a caminhar, tentando descobrir que tipo de lugar era aquele. Quando se dirigiu a um pátio para ver se encontrava um porteiro a quem pudesse perguntar o caminho, viu uma cena estranha. Havia galinhas cantando e galos pondo ovos. O porteiro quando apareceu lhe indicou o caminho para uma casa de chá onde ele poderia beber algo. Mas ao invés de ter que pagar pelo chá, depois de bebê-lo, foi o dono da casa de chá que lhe deu uma peça de ouro por ter tomado chá e comido um doce! Nesse momento houve um grande rebuliço na rua, e as pessoas começaram a se juntar e disseram que o rei estava chegando. Todas as pessoas dessa cidade estavam usando roupas muito bonitas, mas o rei surgiu vestido em trapos e farrapos.
- Pare, pare! Eu não posso ouvir nem mais uma palavra dessa historia sem pe nem cabeça! – gritou o sultão. – Quem já ouviu falar de uma cidade dentro de um melão, de donos de casas de chá que pagam aos seus clientes por tomarem chá, de galinhas que cantam como galos, ou de um rei que anda em farrapos enquanto seu povo veste sedas?
- Vossa Majestade – retrucou a criança. – E quem já ouviu falar de um rei se casando com a esposa de um vendedor de contas?
Ouvindo isso o sultão riu gostosamente, e nesse momento sua paixão pela mulher do vendedor de contas terminou. Ele fez um sinal para Mahbub levar a criança, e este agradeceu a Allah por sua libertação.
Em seguida a criança foi levada de volta para sua mãe, a djin, e o vendedor de contas se mudou com sua bela mulher para outra cidade.  

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